Nas Zonas de Caça (ZC) da nossa região poderemos ter mais perdizes, lebres e coelhos, tal como acontece na maior parte das ZC da Beira Baixa, Alentejo e Algarve? Claro que sim! Bastará que se juntem interesses e vontades. Certamente que já todos olhámos para alguns dos nossos terrenos percebendo a impossibilidade de cultivo, com solos delgados e pedras a seguir a fragas, pedregulhos e pedregulhos num caos telúrico, de xisto ou granito, vegetação raquítica ou uma imensidão de giestas e estevas, declives que não permitem a mecanização… em tempos de miséria e fome, quando as famílias rurais tinham “ranchos” de filhos, eram cultivados com centeio, cavados “à unha” ou com recurso a tração animal! Agora, aparentemente, estes terrenos são improduti- vos e inúteis! Não é verdade – além da beleza cénica, gratuita e ao dispor de todos, também podem produzir caça e gerar riqueza! Como? Pois… e agora como se explica isto? Vejamos! Antes de mais, é necessário compreender a ocupação cultural do território, conjugando-a com os fatores limitantes de cada espécie, para se avaliarem as potencialidades em termos de gestão cinegética. É por demais evidente que se uma zona está ocupada com manchas contínuas de culturas arbóreas, como olivais, amendoais, soutos ou povoamentos florestais, naturalmente não terá aptidão para perdizes e codornizes. Pelo contrário, se o espaço apresenta um mosaico diversificado de vegetação com diferentes estratos, então terá capacidade de suporte para essas aves galiformes. Já para a caça maior, o habitat deverá ter um coberto vegetal suficientemente fechado. Ou seja, as características biofísicas do território são determinantes para o sucesso biológico dos diferentes organismos em presença. O “segredo” da gestão de ZC, quanto à caça menor, é tão simples que até parece mentira…! Resume-se a uma coisa muito fácil – atividade humana que mantenha o mo- saico típico do sistema tradicional de rotação de sequeiro cereal-pousio-pousio-cereal [“fórmula” bem conhecida de quem tenha usado as sebentas de Culturas Arvenses do ensino agrícola!] … mas, atenção, também será preci- so considerar que mudanças, mesmo subtis, nos ecossistemas provocam flutuações naturais nas populações das espécies que pretendemos fomentar… Mas o que terá assim de tão especial o cultivo de cereais para a caça menor? Pois bem, aquilo é um “mundo” de biodiversidade, desde sementes e plantas adventícias, até à enorme parafernália de insetos fitófagos e não só, rastejantes, voadores e saltadores, que é como quem diz: formigas, gafanhotos, moscas, mosquitos, traças, aranhas e muitos mais…! E tudo isto constitui alimento de excelência para os juvenis e adultos da avifauna, em geral, e dos leporídeos, como o coelho e a lebre. Além disso, as culturas arvenses proporcionam uma excelente cortina de proteção visual relativamente a predadores mamíferos e alados, daí a extraordinária apetência da codorniz em desenvolver o seu ciclo de vida, especialmente a nidificação e reprodução, no interior da densa vegetação duma seara. Pode afirmar-se que os ciclos longos dos cereais de pragana (centeio, trigo, cevada e outros) estão profundamente ligados ao esquema de vida da perdiz e da codorniz. O mesmo não se dirá dos cereais de ciclo curto, como o da aveia, que poderão ser mais prejudiciais do que benéficos, visto que, normalmente, são colhidos para forragem por volta de maio, época de plena nidificação das espécies referidas. Então, o que oferece uma seara com culturas de Outono-Inverno? Quando se “mexe” na terra, com uma lavoura ligeira, aparecem sementes de plantas espontâneas que atraem as galiformes bravias; de seguida, a própria semente do que vamos cultivar é também apetecível para essas aves; quando o cereal nasce, as plântulas são “pastadas”, preferencialmente na orla desses campos cultivados; à medida que vai ganhando altura e a primavera avança, surgem os insetos, especialmente formigas e gafanhotos, e fica o abrigo; no final, temos as espigas com semente. Portanto, um campo de cereal não serve apenas para fornecer grão, mas sim alimento diverso e abrigo ao longo dos nove ou dez meses em que ocupa o solo e até quando fica o restolho… se, entretanto, não for cortado e colhido, tanto melhor! [Por esta razão, veja-se como é redutor e limitado pensar resolver o “problema” das perdizes com a colocação de alimentadores, que apenas disponibilizam grão…!] Tudo isto deverá ser com- plementado com culturas de Primavera-Verão, leguminosas como o feijão-frade, e/ou milho, sorgo, painço, etc. … interessa cultivar parcelas, de preferência com forma retan- gular (com recortes e reentrâncias), já que, das diferentes figuras geométricas possíveis, o retângulo (sobre o comprido) é a que consegue maior perímetro e, por isso, maior efeito de orla. Por outro lado, estas parcelas também constituem faixas de gestão da biomassa combustível, con- tribuindo para diminuição da intensidade ou da progressão de eventuais incêndios rurais. Naturalmente, será sempre nas imediações desses cam- pos cultivados que as perdizes se irão fixar no momento da dispersão para acasalamento e a presença de codornizes no terreno irá depender da existência da maior ou menor área cerealífera; acontecerá ainda a fixação das rolas, que “sentirão” a existência de grão no tempo próprio e também os coelhos e lebres revelam especial gosto pelo consumo, em verde, destas gramíneas. Em síntese: • As potencialidades da região transmontana são inquestionáveis; se tivermos cereais no terreno certamente os resultados aparecem! • O nosso património genético, natural e bravio, merece ser preservado, por ser único e já raro nalgumas regiões da Península Ibérica. • A Gestão Cinegética ra- cional e sustentada favorece a biodiversidade, potenciando o conservacionismo e o turismo de natureza. [Ora muito bem… guarde- mos absoluto segredo disto, não vão os malandros dos caçadores perceber como podem fazer boa gestão do território e conseguirem mais perdizes, coelhos e lebres para abaterem…!]
Agostinho Beça