Ter, 19/09/2023 - 11:32
Passaram 25 anos desde que foi aprovada a “Lei do Mirandês” na Assembleia da República. Na altura o Júlio Meirinhos era deputado. Lembra-se bem deste momento? Como se sentiu?
Emocionalmente tocado, porque estávamos a cumprir, antes de mais, um desejo do sábio professor Leite Vasconcellos, o homem que mexeu com o mirandês, em 1882, que clamava uma lei para o mirandês. E também sentia a ânsia das gentes de Miranda em ver um marco que fixasse a importância da língua e que fizesse com que ela nunca mais regredisse e cortasse aquelas sentenças que andavam por aí de que o mirandês acabaria dali a 10 ou 20 anos, e enganaram-se. Por isso, foi uma grande emoção quando houve a possibilidade de um deputado falante estar no parlamento. Abracei esta missão com todo o empenho e foi uma criança que nasceu e ao fim de nove meses tivemos a feliz notícia da aprovação por unanimidade desta lei.
Quando é que este processo político começou?
Havia gente que sustentava que seria inconstitucional avançar com uma lei, porque a Constituição apenas salvaguardaria a língua portuguesa. Preocupei-me em averiguar e não era verdade. O líder parlamentar, o ex-presidente da câmara de Amarante, deu luz verde para começar e contactei com muitas pessoas envolvidas. Foram vários meses e fui notando uma grande simpatia e empatia, de tal razão que ela foi aprovada por unanimidade. Há, verdadeiramente, para a língua mirandesa um antes e um depois da língua. Ainda bem que houve esta lei, fixaram-se coisas importantes, como por exemplo, nunca mais o ensino do mirandês foi interrompido, no mundo descobriu-se a língua, iniciou-se uma fase de produção literária como nunca tinha acontecido e, portanto, foi um marco importantíssimo para os mirandeses. Deixámos de ter de justificar que a língua falada era mal falada, porque falávamos uma língua que era falada há oito séculos e era vergonha, baixo, e isso com a lei terminou e iniciou-se uma longa caminhada. A caminhada que nos falta agora para conseguir uma trilogia é a adesão do Estado português à Carta Europeia das Línguas Minoritárias. Isto é de uma importância fundamental. O Conselho da Europa já assumiu, já concordou, já aprovou do lado deles e obriga o Estado a 35 obrigações que é o verdadeiro travão para o regredir da língua. E a criação do Instituto da Língua Mirandesa, que já está aprovado no Orçamento que está a decorrer, está dotado até com dinheiro, e à que colocá-lo no terreno. Ao ter este instituto temos algo estável, não dependemos de ondulações políticas, partidárias, é um instituto político que irá salvaguardar e acima de tudo abrir janelas à Europa, ao apoio financeiro.
Quando começou este trabalho de levar a Lei do Mirandês à Assembleia da República, acreditou que seria possível a aprovação?
Não era fácil no início, porque nós também partimos com o pressuposto de que se ela fosse aprovada teria que ganhar a simpatia do povo português e, portanto, teria que ser aprovada por unanimidade. Foram negociações difíceis, eu costumo dizer que alguns almoços derreteram a simpatia pela língua mirandesa, mas no início não era algo que nos afigurasse fácil, mas transformou-se num processo com calma, com convicção, de grande simpatia de todos os grupos parlamentares.
As pessoas tinham vergonha de falar o mirandês?
Sim. O Estado Novo e até a própria Igreja. Há decretos do bispo da diocese em que proibia rezar em mirandês, portanto havia alguma pressão sobre as crianças para não falar o mirandês e a verdade era que os alunos que estudavam mirandês eram excelentes alunos a português. As pessoas sentiam-se envergonhadas, não estavam à vontade, tentavam falar o fidalgo e com a lei isso muda radicalmente, passou a haver um orgulho, uma proa de falar mirandês.
Daí haver um antes e depois da lei…
É verdade. Não só por causa do orgulho, mas por ser um marco importantíssimo que não pode ser torneado. Tivemos a sorte de termos um director da escola, que não sendo mirandês, é um militante da língua e tem ajudado para que o mirandês, que nesta altura é aprendido por 80% das crianças, possa estar no terreno. E nunca na vida se produziu tanta obra, tantos livros em língua mirandesa e muitos que não sabiam falar, nem escrever, hoje fazem-no.
Acredita que pode ser dado outro salto com a ratificação da Carta das Línguas Minoritárias e a criação do Instituto da Língua Mirandesa?
Não tenho qualquer dúvida. Quase colocaria estas duas instituições ao nível da lei. A lei abre, fixa, mas estas duas são instrumentos que são verdadeiros travões para que não haja regressão. Todos aqueles que possam dizer que daqui a 10 ou 20 anos o mirandês estará em perigo estarão redondamente enganados. A carta tem 35 obrigações que são fantásticas para progredir. Por exemplo, a lei permite litigar num tribunal em língua mirandesa. Esta adesão à carta vai permitir que haja tradutores, para serem utilizados num tribunal. O instituto vai fazer a investigação, disciplina, chamar toda a gente. Esta é uma causa de militância de todos os mirandeses, não pode haver qualquer divisão e o instituto dá essa garantia.
Mas não lhe parece que as coisas estão atrasadas?
Eu julgo que esta situação já foi colocada ao senhor ministro da Cultura, já começaram as diligências para instalar o instituto. Há em Miranda do Douro espaços e imóveis para começar de imediato e também temos a informação de que o Governo está disponível para apresentar a proposta ao parlamento, o parlamento já se manifestou por unanimidade, aprová-la e promulgá-la. Estou confiante que estas duas grandes lutas em breve estarão do lado positivo para os mirandeses e para Portugal.
Como vê o mirandês daqui a 25 anos?
Vejo com grande pujança. Não só os locais e jovens a falá-lo, mas também outros cidadãos do país e até estrangeiros.