O que é educar e ser educado? Peço desculpa por colocar a questão desta forma abrupta, mas ocorre-me sempre no início do ano escolar, isto provocado pelo ruído rouco dos colegas e de alguns debates que emergem espontaneamente; pedagogias convictas, posturas claras, inteligência das situações para começar o ano letivo. Educar não é uma ciência mas sim uma história, uma narração. Crescer, aprender, isso não se avalia forçosamente nem sempre, e não se pode aparentar ou reduzir simplesmente a um lucro, a aquisições. Não. Saber ler, escrever, contar, isso está resolvido. Assim como descobrir, obter, experimentar. Conseguir e não conseguir. Ter sucesso e não ter sucesso, conseguir na vida e conseguir a vida. E isso não se produz nem sempre nem forçosamente ao mesmo ritmo para todos, diria mesmo que isso não tem forçosamente nem sempre a mesma intensidade, o mesmo valor para cada indivíduo. Que tudo isso jamais bastará. Seria preciso reconhecer antes de qualquer discurso especializado, sabiamente técnico sobre a educação, o seguinte: crescer é sempre um falhanço. Que há sempre numa vida construída uma renúncia necessária e fecunda. Quero dizer que foi necessário, como sempre, como para cada um de nós e a sua pequena trajetória tremente, tão emocionante quanto indecisa, na existência, que bastaria um nadinha para que não fosse aquilo em que me tornei. Poderia ter sido outra pessoa, melhor ou pior. Não sei se outras vidas me esperavam mas cresci com o pensamento, que ao mesmo tempo me desfazia por dentro, que me fazia acelerar o coração, que outras vidas eram possíveis, e que na maior parte, estas outras vidas, não poderia vivê-las. Crescer, alguma coisa se perdia, se destruía incessantemente e nunca consegui segurá-la. Ora talvez isso tenha também feito parte da minha educação; aprender e aceitar que uma parte da minha vida pudesse fugir-me, que não pudesse ser explorada. Educar, é abrir o outro à experiência da vida onde nós nem sempre temos a possibilidade de viver como desejaríamos, segundo os nossos apetites, os nossos sonhos, as nossas frustrações. E que tudo isso, apetites, sonhos e frustrações, sirva para construir o somatório nunca certo e justo, nunca completo, duma existência honesta. A honestidade, deveríamos sabê-lo, nunca é uma conta redonda. Não surge fazendo unicamente preencher aos outros todas as linhas da grelha. Cada um de nós pode pretender ter mil e uma vidas, mas todos devemos fazer a aprendizagem da fragilidade de cada vida vivida, assim como da insignificância duma vida entre outras vidas. Lembro-me da réplica dum autor, Flaubert,; (as citações sempre foram cigarras para mim!) que dizia qualquer coisa como: “ Nós as pessoas insignificantes, com as nossas palavras, os nossos atos, preparamos a vida de muitos heróis,” Nós não seremos forçosamente heróis mas isso não significa que não participemos no heroísmo da existência. O caminho dos nossos sucessos é muitas vezes mal combinado com a mediocridade das oportunidades, mas convém então pensar que a educação não é somente um acumular de cultura, de saberes, mas sim e profundamente uma transformação da existência, dando tanto o desejo duma vida vivida como a consciência de não poder viver todas as vidas, todas as experiências. Ensinar a crescer, no meio dos outros, e todos os outros, é tolerar com paciência, e se possível com amor, que o nosso sentimento de exceção, os nossos desejos mais fortes, sejam também confrontados com a nossa insignificância. Educar, é assim permitir a cada indivíduo aproximar-se da satisfação dos seus desejos e das suas expetativas sem por isso se transformar em alguém intolerável para os demais, como para si mesmo. Talvez assim se pudessem evitar, por exemplo, alguns dos comportamentos que invadem tantas vezes a imprensa, e que revelam o quanto certos jovens carecem precisamente dessa educação, a saber que uma vida bonita e inquieta, é uma vida feita de tudo o que vivemos e de tudo o que não vivemos, das experiências vividas assim como de todas as que nunca tivemos. E de facto, o que obtiveram eles, e que desejavam tão violentamente? Uma insatisfação sempre recomeçada, uma vida nunca é vivida verdadeiramente porque viver nunca é querer viver tudo, permitir-se fazer tudo, ou então tem que se fazer da satisfação um ídolo. Em quê que se tornaria então o sonho, a fantasia, a esperança, as nossas vidas desconhecidas que tornam a nossa vida tão misteriosa e tão desejável? Há uma forma de valentia viver no meio de todas estas vidas vividas e não vividas, possíveis e impossíveis, sonhadas, evitadas, desviadas, e não possuir nenhuma delas. Estou a exagerar? Talvez, sim. Mas proponho dois pequenos paradoxos. É possível que nos dirijamos mais seguramente em direção a um mundo que se harmonize com os nossos desejos sem por isso viver a realização de todos eles. E as nossas vidas só serão plenamente vividas não tendo vivido tudo.