[Aqui para nós, em tem- po de “media veda”: nunca havemos de perceber as ra- zões de em Espanha a caça à codorniz começar em agosto e por cá apenas ter início em setembro…!!!]
Em Portugal, a Codorniz- -comum é uma ave que tem passado quase despercebida. Mesmo tratando-se de uma espécie objeto de aproveitamento cinegético, no seio da comunidade dos caçadores também não tem merecido muita atenção. É tida como de menor importância e a maioria das entidades gestoras de Zonas de Caça nem sequer a conside- ra nos seus Planos de Gestão e Exploração, talvez por um certo desconhecimento de ser permitido caçar de salto com cães de parar em setembro, ou, noutros casos, por receio de comportamentos menos próprios… Então o que tem de enigmático, ou de interessante e diferente a Codorniz? Desde logo, a particularidade de ser uma migradora que percorre grandes distâncias e efetua frequentes movimentos exclusivamente durante a noite, estratégia de defesa relativamente à predação e aspeto verdadeiramente intrigante e pouco conhecido – como vê para evitar as barreiras montanhosas e outros obstáculos? Supõe-se que usa o curso dos grandes rios como corredores… O esquema reprodutivo, extraordinariamente complexo, com múltiplas ligações entre machos e fêmeas, induz diversidade genética e afasta o conceito de “casais”. Os ma- chos só permanecem junto das fêmeas o tempo necessário para garantir que houve fecundação, após o que partem em busca doutras fêmeas recetivas. Notável é a precocidade sexual – pode reproduzir- -se por volta dos três meses de idade e tem mais de uma criação anual, permitindo às aves resultantes da primeira postura (em África) integra- rem o efetivo reprodutor nas zonas de chegada, a Norte, já na Europa. A influência da atividade humana no habitat, quanto ao tradicional sistema cerealífe- ro de sequeiro, é determinan- te, positiva ou negativamente, na dinâmica populacional da espécie; podemos manipu- lar as culturas de cereais de modo a proporcionar condi- ções de nidificação, de pas- sagem ou de chegada, con- seguindo ter mais aves no terreno. Segundo estudos recentes, nos últimos anos, a popula- ção Atlântica de Codorniz-co- mum tem-se mantido estável, embora com naturais flutua- ções interanuais. A caça à codorniz é um ato de paciência, de “virtude”! É preciso ter a capacidade de resistir ao correr do tempo, caminhando durante horas e sem que nada aconteça, aguentar as simulações de “paragens” dos cães sem que haja levantes, até que…, de re- pente, em poucos minutos, a caçada faz-se…! Numa jornada de caça à codorniz, os bons cães de parar proporcionam momentos de grande emoção, com movi- mentos de “deslizar” seguin- do rastos das aves que estive- ram nesses pontos, ou ainda estão e se afastaram ligeira- mente sem voar, ocultas pela vegetação herbácea típica do habitat onde se movimentam. Outro aspeto curioso e in- trigante da caça à codorniz é o facto de estas aves, depois de levantadas, regressarem em pouco tempo e, portanto, o caçador não deve evitar os locais onde passou antes, por ser muito provável já estarem lá novamente. Igualmente interessante é a grande mobilidade da noi- te para o dia, geradora de in- certeza sobre as abundâncias relativas, em cada dia de caça numa determinada zona, dando uma esperança, sem- pre renovada, de a próxima jornada poder ser melhor do que a anterior – podem ter chegado mais aves nas noites antecedentes! O caçador de codorniz é o grande aficionado dos cães de parar e que consegue ser per- sistente ao ponto de aguentar bem o calor ainda intenso do mês de setembro, o verdadeiro apaixonado pelo campo e pela caça… Em suma, caçar codornizes não é para caçadores impulsivos, ansiosos por chegar ao fundo da parcela de restolho, mas sim para quem sabe caminhar lentamente, com a calma que permite aos cães apanharem emanações e, se preciso for refreá-los nos seus andamentos, impedindo o galope e apenas permitindo o trote. Os cães de parar, em geral, revelam nítida perceção de que “estamos a caçar codornizes” e não perdizes! Os lances são mais curtos, in- sistem a farejar o chão limpo dos restolhos, mantêm-se a uma distância mais próxima, obedecem facilmente aos chamamentos… É um prazer ver estes delicados animais cruzarem o terreno de forma ondulante, quase podemos dizer dançante. Por vezes, olhando para eles nesses movimentos, parecem “bailarinas”…! É isto que nos encanta nesta caça de «meio defeso» (ou media veda, como se diz em Espanha) e nos faz repetir o ato de caçar até que, um dia, a falta de vigor físico nos impe- ça de continuar…!
Agostinho Beça