Bons dias, boa gente! Espero que estas palavras vos encontrem de saúde, a beber com a devida moderação, os shots de vitamina D que o sol trasmontano generosamente vos serve. E que o sol deixe correr tantica água nas ribeiras e urretas. Urreta, palavra considerada por muitos estudiosos como a mais exclusiva da língua mirandesa, também vive no português de Avelanoso, onde sobejam urretas na sua toponímia. Em mirandês escreve-se ourreta ou ourrieta. São vários os autores que colocam este termo entre os mais singulares (ou mesmo o mais singular) da língua mirandesa, como Carlos Ferreira, Luís Meirinhos ou Manuela Barros Ferreira. De Urreta se diz que é uma palavra antiga, possivelmente com origem pré-românica, ausente de outras paragens que não na língua mirandesa. Atente-se neste excerto de Manuela Barros Ferreira, extraído de um artigo sobre a situação da língua mirandesa, de 2001: «Na micro-toponímia mirandesa sobressai, pela sua grande frequência relativamente a qualquer outro topónimo, a palavra ourrieta, que designa um pedaço de terra. Segundo uns, trata-se de uma terra húmida, de pastagem, segundo outros, de uma concha de terra arável e segundo outros, de um vale. É pois um nome que se aplica a terras de vário tipo, em geral associadas à abundância agrícola ou pastorícia. Por outro lado, é uma tradição local o considerar-se a palavra urrieta como um legado pré-românico na região.» Vou tentar o exercício de desbravar este bravo vocábulo. A fonética das palavras às vezes diz-nos alguma coisa sobre o significado, sobretudo nas onomatopeias que indicam a reprodução de sons ou ruídos naturais (trrim, trrim, tic-tac, tic-tac, bum!) ou nos verbos onomatopaicos ou imitativos, normalmente ligados a animais (chilrear, zunir, mugir, piar, zurrar, etc.). Noutros casos, alguns sons das palavras também sugerem remeter para o seu sentido (estridente, estrelouçar, estralejar, estrebuchar). Por exemplo, a letra i presente em palavras como fio, fino, fininho, fila dá uma ideia de magreza, finura. Por outro lado, a letra o em ovo, oval, gordo, omni- sugere largueza, volume. Já ou, som produzido mais atrás na cavidade oral, na garganta, alude para algo mais gutural, bruto, cru, rude, rupestre, gruta. Se bem que estas coisas dos sons das palavras e das suas semânticas, lembra um pouco a história do ovo e da galinha. São os sons que remetem para estes significados ou foi um conjunto de significados que cunhou a acepção destes sons? É uma boa pergunta para quem estiver à procura de temas para refletir, mas voltemos às urretas. Através da sua fonética eu arrisco um comentário de pesquisador de bancada e não me admiraria nada que fosse pré-românica, pois é um termo meio rupestre, impolido. Tem o tal som u grotesco de que falámos, mais o duplo r, que ainda reforça mais essa aspereza ou crespidão, e depois tem o -eta que é um diminutivo também bastante cepudo (carreta, meseta, caseta, valeta, motoreta). No conjunto das diferentes partes que o compõem, é um vocábulo que soa bastante pré-tudo. Sobre o seu significado, segundo me explicaram em Avelanoso, as urretas são linhas de água mais superficiais antes de afundarem e se tornarem ribeiros. São locais férteis, relativamente planos, onde variada fauna costuma conviver. São locais menos agrestes e, no caso de Avelanoso, mais abrigados do vento norte o que proporciona vantagens para a biodiversidade. Dizem os entendidos da aldeia que os pássaros habitam muito as urretas, tal como as lebres. Perdizes, chascos ou chinchas la raiz são pássaros que andam por essas zonas e “quem quiser encontrar lebres é nas urretas porque lá têm sempre erva fresca”. Em Avelanoso, onde estas linhas de água correm de Norte para Sul desde a serra, conseguimos encontrar os seguintes topónimos: Urreta la Fonte, Urreta las Cervas, Urreta l’gato, Urreta de Vale Madeiro, Urreta dos Navalhos, Urreta da Malhadica da Borda, Urreta da Calabaça, Urreta do Faleitalão ou Urreta das Três Marras, começando pelas que têm nomes mais peculiares. E ainda Urreta Girão, Urreta l’Inferno, Urreta la Sarça, Urreta das Musgas, Urreta dos Navalhos, Urreta Funda, Urreta de Belhorigo, Urreta da Calabaça, Urreta do Vale da Badia, Urreta da Guirona, e Urreta de Sobrião. Presumivelmente, o nome urreta terá ficado do mirandês, engolido nesta aldeia pelo português a partir do momento em que a freguesia foi ficando fora da jurisdição administrativa das Terras de Miranda. Creio que os nomes de muitas destas urretas são eles próprios exemplos de que se terá falado mirandês em Avelanoso num passado mais distante, tal como vários estudos referem desde Leite de Vasconcelos, a António Mourinho ou Manuela Barros Ferreira. Para todos os efeitos, estamos perante, provavelmente e toponimicamente, a aldeia com mais urretas de Portugal! Por isso, há que explorar este potencial linguístico-paisagístico-turístico de diferentes formas. Deixo algumas sugestões: a criação da Rota das Urretas, o circuito pedestre das Urretas, os passadiços das Urretas, o baloiço das Urretas, o centro interpretativo das Urretas, o ultra-trail das urretas, a pousada das urretas, o festival anual das urretas, praias fluviais, ribeirais, melhor, praias urretais para usufruir das urretas com as devidas comodidades, doçaria tradicional (os urretos), uma urreta salad com agriões, arrabaças e merujas orgânicas colhidas nas próprias urretas. E ainda souvenirs, postais e estatuetas das urretas, talvez uma mascote representada por alguma planta ou passarico como o chincha la raiz. A nível de urretas o potencial é enorme. Avelanoso, capital mundial e europeia das urretas. As autoridades locais não podem fechar os olhos a tamanha singularidade. Há que promover a elevação das urretas a património municipal, nacional e mundial. Avelanoso é uma aldeia rica em urretas, e se «o sonho comanda a vida», as urretas comandarão a vida de Avelanoso porque sonhar não custa. Um forte abraço!