Ter, 25/07/2023 - 14:45
A taxa de juro voltou a subir no passado mês de Maio, fazendo tremer a restauração nos meses de Junho e de Julho, que, habitualmente, são uma lufada de ar fresco para o sector. Mas não houve a afluência esperada.
Os brigantinos ficaram alarmados e ainda mais contidos em gastos e pouco têm saído de casa para almoçar ou jantar.
E se agora as coisas não estão nada risonhas... também não se perspectiva que fiquem muito melhor já que o Banco Central Europeu decidiu, a meio do mês passado, voltar a subir os juros. Ainda assim manteve o ritmo mais contido da última reunião, com um aumento de apenas 25 pontos-base. A taxa directora subiu para 4% e a taxa de remuneração dos depósitos para 3,5%.
Este mês o Banco Central Europeu (BCE) não quis tirar o pé do acelerador. Segundo revelou a presidente do regulador europeu, Christine Lagarde, no fim de Junho, em Sintra, na abertura do Fórum do BCE, as taxas de juro vão continuar a aumentar. Ou seja, o mês de Agosto, normalmente cheio de emigrantes e de turistas, não se espera que sirva para equilibrar as contas dos restaurantes de Bragança.
“Ou se paga ou se vai para a rua”
João Paulo Exposto é um dos brigantinos que teve de apertar o cinto por causa da subida da taxa de juro. “Pagava 290 e agora pago 350 euros. É uma subida ainda grande”, esclareceu, dizendo que, com uma filha que vai estudar para a universidade, em Setembro, “esta subida faz muita diferença no orçamento familiar”.
O brigantino queixa-se de, além de a prestação ter aumentado, também viu a factura do supermercado crescer “bastante”. Com tudo isto nada mais resta que fazer alguns cortes. “Fica tudo mais complicado. Não se pode, por exemplo, ir tantas vezes ao restaurante. Comer fora tem de acontecer muito menos vezes que noutros tempos”, vincou, dizendo ainda que agora anda mais vezes
também a pé. “Tem que se ir tirando de alguns lados para chegar a outros porque a prestação não pode ficar por pagar se não vai-se para a rua”, sublinhou ainda.
Depois de tantas subidas, tendo em atenção “as notícias que vão surgindo”, João Paulo Exposto acredita que “isto não vai ficar por aqui” e diz-se preocupado. “Acho que já não dá para cortar muito mais”, terminou.
Anabela Fernandes também tem crédito à habitação, mas é uma felizarda. Tem taxa fixa. Fez o crédito há três anos e foi incentivada a escolher esta modalidade. “Disseram-me que ia pagar um pouquinho mais do que com taxa variável mas eu optei pela taxa fixa e, olhando para o que está a acontecer, estou mesmo muito satisfeita”, esclareceu.
Reparando no que está a acontecer com quem tem taxa variável, sendo que tem uma sobrinha que “pagava 500 euros e agora está a pagar cerca de 900”, Anabela Fernandes diz que se estivesse na situação que muitos estão “só restava cortar e cortar em muito”. “Almoçar ou jantar fora tinha de ficar praticamente de lado. Não podia acontecer tantas vezes”, rematou, dizendo que “viagens, shoppings e aquecimento” também seriam uma boa opção para se gastar menos.
Tostões contados
Rosa Veiga é proprietária do restaurante Rosina, em Bragança. Não há dúvidas: clientes, onde estão? “O ano passado foi atípico, houve gente, porque as pessoas tinham vontade de sair. Já este ano está bastante complicado por causa do aumento das taxas de juro. As pessoas estão a frequentar menos os restaurantes”, explicou.
A localização do espaço, no centro histórico da cidade, tem sido uma mais-valia, para atrair gente mas os turistas também não são muitos, pelo menos tantos como noutros tempos. “Trabalhamos muito com os turistas, mas estes meses, a esse nível, também não foram tão fortes como no ano passado”, disse Rosa Veiga.
O mês de Junho, para o Rosina, foi “muito atípico”, houve “pouco movimento” e não se sentiu muito a entrada na Primavera. Naquele mês, ao meio-dia, em que as pessoas, tendencialmente, por causa do trabalho, têm que comer fora, “sentiu-se algum movimento” mas “as noites foram paradas”.
Rosa Veiga não tem dúvidas de que “a população local está muito retraída pelo aumento da taxa de juro” e diz que acredita que não seja fácil, pelo que quem ainda come fora está, praticamente, a dar-se a um “luxo”.
Quanto ao mês de Agosto... bem, normalmente, por causa dos emigrantes, seria um período feliz para quem se dedica a este ramo. Mas não será bem assim este ano porque “a situação está dramática a nível europeu, não é só em Portugal”. “As pessoas que estão lá fora também não têm as mesmas possibilidades económicas que tinham há anos”, vincou a empresária, sendo que estas pessoas “vêm menos dias e optam por fazer compras no supermercado e comer com a família em casa”.
Sejam brigantinos, turistas ou emigrantes, Rosa Veiga diz que, neste momento, basicamente, não há quem não olhe a preços na hora de ir comer fora. “Tive aqui uma mesa, na semana passada, com cinco pessoas, da mesma família. Comeram dois pratos do dia e beberam uma garrafa de litro e meio de água. Partilharam, entre eles, os dois pratos, as duas sopas e as duas sobremesas”, contou a proprietária do Rosina, dizendo que “isto demonstra perfeitamente que as pessoas estão com os tostões contados” e que hoje se “controla” tudo, não há à vontade para gastar, mesmo os turistas.
Neste restaurante, o mês de Junho, em relação ao ano passado, “ficou-se a 70%”. Sendo que os meses de Junho e de Julho não arrancaram propriamente bem, “o mês de Agosto não vai fazer diferença nas contas”.
Brigantinos afastam-se dos restaurantes
João Fernandes é proprietário do restaurante Tribuna, em Bragança, aberto em 2018. O empresário também não vê um cenário muito diferente do que aquele que os restantes apresentam. Os clientes também ali são menos. “Tivemos um mês de Abril bom, foi o melhor de sempre. Em Maio quebrou-se um bocadinho, mas o que se nota é que, cada vez que há uma noticia sobre a subida da taxa de juro, as pessoas retraem-se”, esclareceu, dizendo que, logicamente, o que se passa aqui está a passar-se noutras cidades e pontos do país. Portanto, o arranque do Verão não foi propriamente bom.
Na óptica deste empresário, “se o dinheiro vai, boa parte dele, para a renda da casa e para o supermercado, não sobra tanto e deixam-se algumas coisas de parte, com comer fora”. Ou seja, isto, a escalada dos preços de tudo, “é uma bomba na carteira de todos nós”.
Perante aquilo que foi a Primavera, bastante boa para este empresário, e as notícias que dão conta do “turismo a bater recordes em 2019” e o “banho-maria da guerra”, esperava-se que os meses de Junho e de Julho fossem um pouco melhores mas “o cidadão de Bragança não aparece tanto” e “nem sequer há espanhóis”, talvez não haja “nem 10% dos que havia antes da pandemia”.
Neste restaurante, sendo que o prato do dia custa, desde 2019, 12,5 euros, mas, dado o aumento de preços, já deveria custar, cerca de cinco euros a mais, as pessoas “evitam alguns produtos”. “Os clientes, muitos deles, evitam entradas, ou sobremesas ou vinhos, sendo que o Tribuna é um restaurante de vinhos. Ainda assim, hoje, os vinhos de maior qualidade ou preço não rodam. Lá aparece uma mesa ou outra que é como se não tivesse acontecido nada, mas 80 a 90% têm muito cuidado com os vinhos, as entradas e as sobremesas”, contou o empresário.
No que toca a expectativas para o mês de Agosto, também aqui não há muitas, mas a esperança é a última a morrer. “Os problemas são transversais e todos cortam em algum lado. Ainda assim, estou a contratar mão-de-obra. Tenho ainda perspectiva de que seja um ano que não nos deite abaixo, mas não vai ser como antes, isso não”, terminou João Fernandes.
Emigrantes estão a falhar
Andreia Sendas, uma das proprietárias do restaurante Restaurador, em Bragança, não tem dúvidas de que os meses de Junho e de Julho estão a ser um pouco mais fracos do que o esperado e o habitual. “A nossa casa tem muitas valências, o que ajuda muito, mas não houve um aumento do número de clientes, pelo contrário. Não podemos dizer que foram meses demasiado maus, mas houve decréscimo”, esclareceu. Olhando para este mês, que já está na recta final, “não houve um aumento do fluxo de clientes, como se viu em anos anteriores, esquecendo a época de pandemia”.
A empresária disse que se sente a falta do dito cliente habitual, os da cidade. Acre- dita que estão a faltar porque “os tempos estão difíceis” e que “há vários factores” para que isso mesmo aconteça. “Não é que comer fora seja um luxo mas agora é considerado como isso”, disse a empresária que referiu que “os custos das famílias estão altos e, obviamente, isso traz consequências”.
Quem por ali passa fala e reclama da vida, mas, claro, quem está do outro lado, também percebe bem os lamentos. “As pessoas queixam-se da vida, em geral, do custo de vida. Mas, relativamente aos nossos preços, não houve mexidas significativas, então não se queixam muito disso”, frisou, assinalando que, caso subissem aos preços dos pratos, as pessoas “ainda menos viriam”.
Andreia Sendas também sente falta dos emigrantes. Diz que ainda não se nota um “fluxo muito grande” e que “não está a ser como no ano passado”. Depois de em 2020 e em 2021 poucos filhos da terra terem visitado o concelho, 2022 foi satisfatório mas, este ano, não está a ser, nem de perto, parecido. “Temos que compreender que no ano passado quase todos estive-
ram presentes na terra natal e acho que este ano virão menos tempo porque também para eles a vida está cara. Este ano, pelo que me parece, regressam em moldes normais, virão menos e menos tempo que no ano passado”, explicou.
Olhar a preços e dispensar entradas e sobremesas
António Júlio está à frente do restaurante A Gôndola há 23 anos. Os meses de Junho e de Julho foram “muito mais calmos do que aquilo que vinham sendo”. Estes dois meses “não foram normais” e, tão cedo, “não vão ser” porque o que se está a passar aqui está a acontecer “em todo o mundo” e vai demorar a passar.
Perante o facto de ninguém “suportar” todos os acréscimos que têm vindo, sobretudo em juros, o cenário não é novidade nenhuma para António Júlio, que diz que “é normal que as pessoas façam escolhas”, deixando de comer fora, porque “é preciso, claro, cortar em alguma coisa”. Apesar de esta casa ser “bem composta” diariamente, os clientes faltam. “Se falta de um lado falta do outro. Quando não há poder de compra ficámos sempre aquém do que queríamos e podíamos fazer”, vincou, dizendo que, em termos de clientes, falta um “bocadinho” de tudo, desde brigantinos, a espanhóis, turistas e emigrantes.
E no que toca a emigrantes e turistas... eles começam a chegar, timidamente, mas, lá está, este problema, a falta de dinheiro, é transversal. “Essas pessoas têm as mesmas dificuldades. Os juros tanto sobem aqui como em França. As pessoas virão com receio, contidas, terão de fazer opções porque o dinheiro não dá para tudo”, rematou António Júlio.
Hoje, na opinião deste empresário, comer fora ainda não é um luxo, mas “fica muito caro”. “Tudo subiu e de maneira anormal e nós também temos que subir ao que servimos”, esclareceu, assumindo as pessoas estão a preferir, cada vez mais, levar comida, por exemplo para casa.
E também neste restaurante, não sendo geral, há muita gente que escolhe “pratos mais económicos” para que a conta fique um “bocadinho menor”. “Dispensam entradas porque são caras. As sobremesas igual. Há muita gente que evita os doces, tomam apenas café. Quando os clientes vêm com crianças deixam que sejam elas a comer sobremesa e eles, muitos, acabam por não pedir”, terminou António Júlio.