Caça e Desenvolvimento Rural

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O importante contributo que as medidas de fomento cinegético trazem à biodiversidade nos nossos campos é já bastante conhecido, pelo que interessa, agora, analisar o valor que essas ações e a prática da caça induzem nos processos de desenvolvimento rural. Assim, o desenvolvimento em geral tem como objetivo último a melhoria dos rendimentos e aumento da riqueza, mas inclui outros bens e valores, alguns imateriais, que igualmente constituem elementos da qualidade de vida das pessoas e fazem parte das suas expectativas e aspirações. Cabem aqui aspetos como a preservação da paisagem do ponto de vista estético, a conservação de ecossistemas, a regularização dos recursos hídricos, o armazenamento de carbono e muitas outras amenidades que os sistemas agroflorestais proporcionam aos utilizadores do território. Podemos falar de desenvolvimento económico, social, cultural e político, mas, segundo alguns estudiosos da matéria, não pode haver “desenvolvimento rural”, absolutamente separado de “desenvolvimento urbano”. A extraordinária complexidade destes processos até levou a que a comunidade académica proponha, para esta área de estudo, a designação de “lado rural do desenvolvimento”. Podemos ainda caracterizar o conceito de rural com os seguintes elementos: não ter conotação exclusiva com a atividade agrícola; ser multissectorial, já que implica a pluriatividade das famílias rurais; ser multifuncional, integrando as funções produtiva, ambiental, ecológica e social; ter baixa densidade populacional nas áreas consideradas rurais; não haver separação absoluta entre espaços rurais e urbanos. Pois… bem sabemos que não será possível separar, em muitos lugares, o periurbano do urbano, nem do rural… Contudo, não é disto que aqui se fala, mas sim de povoações afastadas dos grandes centros urbanos, onde, apesar da baixa densidade, ainda se vivem e celebram intensamente os solstícios e os equinócios, os Natais e as Páscoas, os Carnavais e afins, as “festas dos rapazes”, as ceias comunitárias, os ciclos das sementeiras e colheitas, também os atos de caça… e onde persistem muitas outras manifestações de profunda ligação cósmica e de ruralidade pura e dura… Além de uma certa modernização da agricultura, o desenvolvimento rural está associado à diversificação das competências, à criação de novos produtos e novos serviços, tais como a gestão e conservação dos ecossistemas, o turismo de natureza, o agroturismo, a agricultura orgânica, a produção de especialidades regionais tradicionais e… a caça! Segundo estudos recentes, a prática da caça gera em Portugal cerca de 500 milhões de euros. O mesmo autor refere ainda que, no concelho de Mértola, no interior alentejano, lugar de excelência para caça menor e repleto de afinidades com o interior transmontano, o setor da caça é o segundo maior empregador, a seguir à Câmara Municipal, e onde o volume de negócios da caça supera já o valor da agricultura, florestas e pecuária juntos constituindo uma riqueza local e nacional de grande importância. Do meu conhecimento pessoal, no Nordeste Transmontano, também potencialmente vocacionado para a ocorrência de espécies cinegéticas, o orçamento anual de uma organização de caçadores é, muitas vezes, superior ao da respetiva Junta de Freguesia…! E termino com um exercício sobre as receitas potenciais no espaço físico correspondente à região administrativa do distrito de Bragança, embora longe do retrato da situação atual, como se sabe… Considerando o número de dias de caça possíveis em cada época e o valor médio a pagar por dia, o potencial das receitas – em cerca de 600.000 ha – poderá oscilar entre 9 e 18 milhões de euros. É caso para refletir e colocar a questão: que esperamos para gerir adequadamente este valiosíssimo recurso natural renovável?

Agostinho Beça