Maio quente e sem chuva volta a ditar ano preocupante para as culturas agrícolas do distrito

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Ter, 09/05/2023 - 12:24


Com 89% do território já em situação de seca, IPMA anuncia mês fora do “normal” e a agricultura voltará a sofrer as consequências

Com a diminuição acentuada da chuva, que se tem verificado desde Janeiro, a percentagem de água no solo é quase nula em várias zonas de Trás-os-Montes, bem como no centro e sul do continente. Neste momento, a seca já se alastra a 89% do território. A grande má notícia é que o cenário não se vai compor, isto porque as previsões, para este mês, não podiam ser muito piores. Os valores meteorológicos registados em Abril colocam- -no entre os cinco mais quentes desde 1931. O mês foi marcado três ondas de calor e por temperaturas superiores a 30 graus, tendo sido, em termos de risco de incêndio, o mais severo desde 2003. Após meses marcados por temperaturas acima do normal e precipitação abaixo do ideal, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), Maio será mais quente que o normal e também não deverá haver chuva, ou pelo menos a que fazia falta. Avizinha-se já outro Verão como o do ano passado? É bem possível que seja igual ou até mesmo pior. 2022 deixou muitos agricultores aflitos, sem saber o que fazer, apenas assistindo à desgraça que o ano trazia: quebras, quebras e mais quebras de produção. Poucas ou nenhumas culturas agrícolas escaparam ao marasmo. Várias entidades, instituições e associações, a nível regional e nacional, também disseram estar muito preocupadas com o panorama que se vivia. A Agência Portuguesa do Ambiente chegou, aliás, a ajudar alguns municípios do distrito de Bragança a comprar camiões-cisterna para ajudar a fazer face à falta de água. Foram medidas como esta as que se foram tomando. Mas medidas de contingência não resolvem os problemas na sua totalidade. Ora, assim sendo, está mais do que visto e sabido, é preciso, urgentemente, investir em regadio. É claro que não se cria essa solução de um ano para o outro, mas parece que há quem continue de braços cruzados.

Oliveira precisa agora de humidade mas não chove nem há regadio

Artur Aragão, produtor de azeite, com 150 hectares de olival em Alfândega da Fé, Mogadouro, Torre de Moncorvo e Vila Flor, antevê tempos difíceis. Na campanha de 2021/22, no que toca à área que tem na Vilariça, colheu 80 mil quilos de azeitona, mas na campanha seguinte ficou-se pelos pouco mais de 8500 quilos. Falamos de uma quebra de 90%. E a próxima campanha dado o cenário que o IPMA já relata? “Tenho a certeza que vai pelo mesmo caminho, se não for até por um bem pior”, rematou o proprietário da Casa Aragão, que não vê outra solução que não a aposta em regadio. Dos 150 hectares de olival, 108 são de sequeiro. Há apenas 42 de regadio. Desses, apenas 50% são regados por água de barragens. A outra metade tem água porque houve investimento em furos artesianos. Neste momento, no que toca a oliveira, estando na fase da espiga, transformando- -se depois em flor, as árvores precisavam agora de humidade. E vão precisar ainda de mais humidade quando a flor estiver a cair, para segurar a azeitona. No ano passado, no fim de Maio, houve um dia de 39 graus, deixando “tudo queimado”. Este ano pode repetir-se o mesmo, mas “o problema podia ser amenizado se houvesse instituições que defendessem o regadio e não que defendessem que a água deve ir para o mar”. “No distrito de Bragança, tirando Alfândega da Fé, os concelhos não têm regadio e isso era fundamental para termos uma agricultura viável”, frisou Artur Aragão, que diz que “isto vai agudizar-se, de ano para ano, porque as temperaturas vão mudando e ninguém se preocupa com o regadio”. Artur Aragão, que diz que o que o assusta não é ter um ano semelhante a 2022, mas sim continuar-se de braços cruzados, no que ao regadio diz respeito, afirmou que teme que daqui a uns anos apareçam alguns “inteligentes” que digam que a única “solução” é pegar na água do mar, tirar-lhe o sal e “bombeá- -la para Trás-os-Montes” e, depois, “vão-se gastar rios de dinheiros com algo que hoje custaria metade do valor”. Afirmando ainda não se lembrar de um mês de Abril com tanto calor, terminou dizendo que, “possivelmente, 2023 será pior, em termos de produção”, mas há algo mais preocupante, árvores a secar. “As oliveiras centenárias aguentam-se melhor, mas as plantações mais recentes têm mais dificuldade de recuperar e podem secar”, esclareceu.

2023 será pior que 2022 para a amêndoa

O ano passado também “foi muito drástico” para a cultura da amêndoa, segundo esclareceu Bruno Cordeiro, presidente da Cooperativa Agrícola de Produtores de Amêndoa de Trás-os-Montes e Alto Douro. As plantas “sofreram muito” com a falta de água. E o sofrimento, pelos vistos, é para continuar. Questionado sobre quais são as grandes inquietações, perante as previsões do IPMA, “se não chover, num curto espaço de tempo, a produção está em causa e mesmo a própria cultura”. Dizendo que já no ano passado houve agricultores a queixar-se com a questão de árvores que secaram, disse estar convencido que “este ano ainda vão secar mais”. Quanto à produção, assumiu que, mesmo a nível a qualidade já “está posta em causa”. Neste momento, o que fazia falta às amendoeiras era “ter começado a chover já ontem”. Não se avizinhando um mês chuvoso, bem pelo contrário, espera-se apenas alguma trovoada, que até pode vir a estragar o que há, este ano “será complicado para a cultura da amêndoa”. “Não tenho dúvidas de que será pior que 2022”, referiu Bruno Cordeiro. Para não haver grandes problemas, deveria ter chovido já em Abril. Se chovesse em Maio já não era mau, dava para “minimizar a situação”. Ou seja, “apesar de a produção já estar em causa, as árvores não ficariam comprometidas”. Mas, lá está, mesmo com um mês de Maio chuvoso já “não há remédio para a cultura”. Assim, dado o cenário, Bruno Cordeiro também defende que têm de se criar soluções rapidamente. “Infelizmente, aqui, o regadio é diminuto. Precisamos de água e não temos. Não sei qual é o futuro, no Interior, da cultura da amêndoa, mas, se a política não mudar, terá os dias contados”, vincou o presidente da Cooperativa Agrícola de Produtores de Amêndoa de Trás-os-Montes e Alto Douro. Refira-se que, ainda que este fosse um “ano normal”, as quebras na produção de amêndoa, na nossa região, poderiam rondar os 20 a 30%, isto porque as árvores de sequeiro “ainda não conseguiram responder às necessidades hídricas”. Num ano normal, a cooperativa, presidida por Bruno Cordeiro, com cerca de 1500 associados, recebe dois milhões de quilos de amêndoas. No ano passado recebeu apenas um. Este ano pode repetir-se o mesmo. E note-se que a área de amendoal tem vindo a aumentar.

Castanheiro precisava de 10 dias de chuva

No que toca à cultura da castanha também já há algum alarme. Abel Pereira, presidente da Arborea, Associação Agro-Florestal da Terra Fria Transmontana, diz que se não chover em Maio e se o mês for quente, “a situação é preocupante”. Para tudo se compor e o ano não correr mal, em termos de campanha, era agora necessário “haver uns 10 dias de chuva”. “Maio é fundamental para o castanheiro porque é o período em que ele vai fazer a rebentação”, explicou, referindo que “o solo ainda tem alguma humidade”, estando “melhor que no ano passado”, mas “o que está ligeiramente melhor pode estragar-se nestes dias”. Mesmo que chova neste mês, o que nem se prevê, se em Agosto, no período de vingamento do castanheiro, vierem duas semanas de calor, com cerca de 40 graus, “podem ser fatais para a cultura”. E essas duas semanas tão quentes é bem possível que venham a acontecer, uma vez que, nos últimos tempos, o mês de Agosto a isso mesmo nos tem habituado. As quebras, no ano passado, rondaram os 80 a 90%, em muitos soutos. Este ano podem ser ainda pior. E note-se que muitos dizem que nem se recordam de um ano como o de 2022. “Fala-se de 1945, que foi extremamente seco. As pessoas dizem que as ceifas se fizeram até no final de Maio. Mas, isso foi há 80 anos. Pelo menos, nos últimos 40 e tal, não há memória de ano como 2022”, assegurou. As quebras, apesar de tudo, não são o pior. Anos como 2022 podem começar a acumular-se e “as plantas começam a ficar menos resistentes”, sendo que, assim, “a situação pode ser mais complexa”. Ou seja, tal como as amendoeiras, há castanheiros que se podem perder, se anos como o passado se repetirem sem haver grande espaço temporal entre eles. “Se não chover agora, já não falamos só em produção, mas também em perda de povoamentos. As árvores começam a não resistir”, explicou Abel Pereira, que esclareceu que, neste caso, as plantas que sofrerão as consequências são as mais velhas, centenárias.

Azibo está cheio mas é preciso cautela

Em Macedo de Cavaleiros já se deu começo à campanha de rega no início de Abril. Manuel Cardoso, presidente da Associação de Beneficiários de Macedo de Cavaleiros, diz que o que se pensa é que “não irá haver falta de água este ano”. A barragem do Azibo “tem um nível muito bom, neste momento”. “Temos estado, sempre, acima dos 601 metros. Como a quota máxima é de 602, podemos considerar que o Azibo está cheio. Na agricultura já utilizámos 170 mil metros cúbicos e o nível da barragem não desceu, bem pelo contrário, manteve-se a subir no mês de Abril”, esclareceu. Apesar de o cenário até ser animador, é preciso cautela. “Estamos tranquilos, mas temos que estar prevenidos para a possibilidade de poder não chover durante muitos meses”, referiu. A associação, que já procedeu a trabalhos de reparação de fugas existentes em algumas condutas, sendo que, paulatinamente, tem aberto todas as secções do perímetro de rega, tem seguido as “indicações do IPMA”. “A nossa perspectiva é que todas as pessoas devem fazer uma gestão racional da água, regar nas horas de menos calor e evitar todo o desperdício de água, porque não sabemos quanto tempo se vai manter esta situação de seca”, vincou ainda Manuel Cardoso, que disse que “tem de se economizar o máximo” já que não se sabe se no próximo Inverno choverá. A associação tem mais de 1200 utilizadores no perímetro de rega. Associados são pouco mais de 200. A área de rega é de cerca de 800 hectares, sendo que o objectivo é que se venha a aproximar dos 2 mil hectares num ano.

É urgente gastar menos água

Não há dúvida de que “o normal seria estes fenómenos serem espaçados e o período de retorno ser mais longo”. Quem o diz é Leonel Folhento, presidente do Núcleo Regional de Bragança da Quercus, que vinca, ainda assim, que “estes fenómenos vão ser cada vez mais frequentes” e, enquanto não se conseguir, de alguma forma, “controlar” as variações e anomalias, que têm vindo a instalar-se, não se vai regressar à “normalidade”. Apesar de as pessoas não terem, directamente, o poder de mudar este tipo de coisas, há comportamentos que podem ser determinantes. “Podemos fazer muito para prevenir a seca. Algumas atitudes simples podem ter impacto neste tipo de fenómenos. As pessoas precisam de 110 litros de água, por dia, para tomar banho, fazer a sua higiene pessoal e outras tarefas demais. Ainda assim, a Agência Portuguesa do Ambiente diz que em Portugal a média de litros é de 190. Há um uso excessivo, só neste campo. Pode ter-se cuidado, nomeadamente fazer duches mais curtos e fechar as torneiras ao fazer a barba e lavar os dentes, por exemplo”, esclareceu Leonel Folhento. O presidente do núcleo regional disse que, ainda assim, não é preciso pensar nas coisas em termos “definitivos” porque “o ser humano tem capacidade para se adaptar, consciencializar e procurar soluções”. As secas “acontecem devido a anomalias na circulação do regime geral dos ventos, na atmosfera”, sendo que o fenómeno é global. Esta “catástrofe natural” tem um forte impacto nos ecossistemas, no abastecimento de água às populações, na agricultura, na pecuária e nas actividades sócio-económicas.

Jornalista: 
Carina Alves