Dezenas de Capas de Honras de Miranda do Douro exaltadas

PUB.

Ter, 28/03/2023 - 11:22


Município está a fazer inventário para perceber quantas ainda existem no concelho, com o intuito de replicar as mais antigas

Feita de burel, a Capa de Honras de Miranda do Douro é um símbolo identitário deste concelho. A sua origem remonta ao século IX e inicialmente seria designada de “capa de chiba”, segundo o investigador António Mourinho. “A capa de chiba era uma capa que tinha um capuz e dentro tinha uma tira de pele de cabra, a partir daí foi evoluindo. Os mosteiros beneditinos devem ter tomado a capa e devem-na ter feito à maneira da Capa de Asperges, que era a capa que usavam os padres nas procissões. A estrutura é precisamente igual”, explicou. Só no início do século XIX, é que se adopta a designação “Capa de Honras”. Em dois testamentos, mais concretamente em 1819, pode ler-se que a taxa dos salários dos alfaiates de Miranda do Douro, sendo que “uma Capa de Honras bem feita, com toda a ornamentação e picotados, custava 500 reis a jeira, o salário, e uma Capa de Honras mais lisa, mais pobre, custava 100 reis o salário”. Contrariamente ao que se pensa, não era usada apenas pelos pastores. Era usada “por gente pobre”, mas também “por gente rica”, em “casamentos”, “baptizados”, “funerais”, no “Natal”, na “Páscoa” e até no Verão, sendo certo que “honrava quem a trazia e quem era recebido com ela”. No entanto, era usada apenas pelos homens, juntamente com colete de lã, camisa de linho, jaqueta e o calção de alçapão, com uma abertura para fazer as necessidades. Só recentemente as mulheres começaram também a usar a capa mirandesa. “Por um lado concordo, porque estamos na igualdade de género, as mulheres querem ser iguais aos homens”, frisou António Mourinho. Durante anos a capa esteve em desuso. Muitas pessoas chegaram a deitá- -la fora. Mas nos últimos anos, esta peça de vestuário voltou a recuperar-se.

Exaltação da Capa de Honras

Este domingo, aconteceu, mais uma vez, a cerimónia de exaltação da Conta de Honras, na Sé de Miranda do Douro. Dezenas de pessoas saíram à rua com este símbolo identitário. Alberto Fernandes trazia uma capa com mais de um século de existência, de 1917. Foi-lhe herdada pelo Bisavô, o “Tio Preto da aldeia de Ifanes”. “Por a capa ser um elemento dotado de bastante singularidade, além de autenticidade, e como cada capa é única, é com grande honra que todos os anos saio com a capa para este evento, também na figueira do galo é tradição vir com a Capa de Honras”, contou. Nas janelas das casas podiam ver-se capas penduradas. Uma delas era de Alice Jacoto. Tem várias capas de honra em sua casa, pendoradas num manequim. “A exaltação é importante, porque a capa esteve um bocado esquecida, ninguém saia com a capa, era raríssimo”, contou. No concelho, apenas três pessoas ainda a fazem. Duas artesãs em Sendim e um artesão em São Martinho de Angueira. José Falcão é marido de uma das artesãs que ainda se dedica à arte. Como não podia deixar de ser, participou na exaltação e tinha vestido uma capa de 1954, ano em que nasceu. Foi mandada fazer pelo seu pai e, por herança, passou para si. Agora vai deixá- -la aos netos. “Temos que praticar aquilo que temos, porque é cultural. Mas só usamos isto no dia de festa. Antigamente usava-se todos os dias, porque iam com o gado, à chuva, não havia chapéus-de-chuva, não havia capaz de plástico e até dormiam com elas”, contou. Já Ramiro Fernandes trazia no corpo uma capa feita por si, em 2017. Fez um curso em Espanha e foi lá que aprendeu como podia fazer uma Capa de Honras. Lembra que no tempo dos seus pais tinham capas e capotes, mas “atiraram com elas”, porque não tinham noção da importância da peça.

Quantas capas ainda existem?

E com receio que continuem a deitar capas fora, o município de Miranda do Douro está a fazer um inventário para contar quantas existem no concelho. “O que eu mais temo é que muitas capas se percam, das que estão nas aldeias. Há poucos anos havia pessoas que deitavam as capas ao lixo e nós não queremos que isso continue, independentemente do estado em que elas se encontrem. Queremos é preservá-las e trazê-las à luz do dia para que as artesãs que ainda estejam no activo possam fazer réplicas e assim conseguiremos perpetuar ainda mais a memória dos nossos antepassados”, referiu a presidente da Câmara Municipal, Helena Barril. O “processo da confecção da Capa de Honras” foi inscrito no inventário Nacional do Património Cultural Imaterial da UNESCO, em Novembro de 2022. Na altura, a autarca de Miranda disse ao Jornal Nordeste que tinha a intenção de criar um curso, em parceria com o IEFP, Instituto do Emprego e Formação Profissional, para que mais pessoas pudessem aprender a fazer a capa mirandesa. Meses depois, Helena Barril admite que não está a ser fácil pôr o projecto em prática. “Neste momento não está a ser a execução desse propósito, porque tem que ser feito com a coordenação do IEFP e o último reporte que me fizeram é que ainda não está estruturado o curso, mas queremos alimentar a esperança de que deve ser feito”, disse, salientando que “quantas mais pessoas aderissem à confecção esta arte, melhor seria o futuro da Capa de Honras”.

Jornalista: 
Ângela Pais