Ter, 28/02/2023 - 10:40
O médico radiologista Telmo Moreno, de Bragança, está acusado de dois crimes de violação. Duas mulheres dizem ter sido abusadas pelo médico e, segundo o procurador, há matéria suficiente para acusar o profissional de violação. O arguido pediu ainda a Fase de Instrução, para que fosse reavaliada a investigação feita pelo procurador, mas o juiz reforçou a acusação por considerar haver indícios da prática do crime. Significa que o processo vai agora avançar para julgamento. Uma das situações remonta a 8 de Fevereiro de 2021 quando Ana Costa foi à clínica do médico para fazer vários exames, nomeadamente uma ecografia mamária. “Durante os exames houve algum tipo de comentários que não eram normais e um deles quando estava a fazer a ecografia mamária foi dizer ‘tem aqui umas tetas boas’”, contou. Ainda assim, o exame prosseguiu, até que o médico lhe sugeriu fazer um outro que nem sequer estava prescrito, um “exame hormonal medidor de intensidade, muitas vezes confundido com um acto sexual”. “Depois de introduzir a sonda, introduz os dedos várias vezes e durante esse tempo ele perguntou ‘está a sentir alguma coisa’ e eu disse ‘estou, os seus dedos’ e ele disse ‘então esteja à vontade, pode libertar’. Quando ele disse isso eu disse para parar o exame”, relembrou. Segundo se pode na acusação, o médico “não efectuou o relatório referente à introdução vaginal dos seus dedos na vagina da vítima”. Ana Costa ainda voltou à clínica para o pedir, mas Telmo Moreno nunca lhe entregou qualquer relatório referente ao “exame hormonal medidor de intensidade”. “Falei com a minha médica de família e ela disse que fui literalmente violada, porque um médico radiologista não tem competências médicas para introduzir os dedos, para fazer um exame chamado de toque”, disse Ana Costa, salientando que “o exame não existe” e que se sentiu “usada” e “abusada”, até porque “se não vamos confiar no médico vamos confiar em quem?”. No dia em que tudo aconteceu ainda escreveu no livro de reclamações da clínica. Mais tarde mandou uma queixa para a Ordem dos Médicos. Tentámos contactar esta entidade para perceber as sanções que podem ser aplicadas, mas até ao fecho da edição deste jornal, não houve resposta ao e-mail enviado. Ainda assim, tivemos acesso à resposta que a Ordem deu a Ana Costa, depois da queixa apresentada. Ressalva que Telmo Moreno praticou “um acto não preconizado” e que o seu comportamento constitui da violação do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, no Artigo 4º, Nº 1, “o médico deve exercer a sua profissão de acordo com as leges artis com o maior respeito pelo direito à saúde das pessoas e da comunidade”, e no Artigo 10º, Nº1, “o médico deve abster- -se de praticar actos que não estejam de acordo com as leges artis”, ou seja, de acordo com as regras científicas, técnicas e princípios profissionais. Por isso, a Ordem dos Médicos considera que “o comportamento do arguido, ainda que a título de neglicência, é merecedor de um juízo de reprovação ética”. No entanto, como não tem antecedentes disciplinares, foi aplicada a sanção mais leve, “pena disciplinar de censura”. Quer isto dizer que a situação em causa fica registada no currículo do médico e pode ter implicações, caso o médico volte a estar envolvido num processo disciplinar. “É muito difícil, neste momento sinto-me impotente, porque já fiz tudo que estava ao meu alcance e agora só esperando que se faça justiça e que haja mais pessoas que com esta reportagem possam aparecer e tenham coragem de dizer que também lhes aconteceu”, frisou Ana Costa. O outro caso de violação de que o médico está acusado aconteceu a 10 de Novembro de 2020. A vítima, tal como Ana Costa, foi à clínica Telmo Moreno para fazer vários exames, ecografia abdominal, ginecológica e mamária. No decorrer da consulta o arguido disse à mulher que iria fazer-lhe outro exame “para saber como estão as hormonas”. No despacho da acusação pode ler-se que o médico pediu à vítima que “baixasse as calças” e se deitasse na marquesa, depois “introduziu dois dedos na vagina”, dizendo, tal como a Ana, que “este exame é muitas vezes confundido com sexo” e “pode libertar-se”. “O arguido não efectuou relatório médico da introdução vaginal”, pode ainda ler- -se na acusação, realçando que “a introdução vaginal de dois dedos” na vítima “não foi medicamente prescrita e não se justificava no contexto clínico descrito”. O Jornal Nordeste tem conhecimento de mais pessoas que dizem ter passado pelo mesmo, mas que não fizeram queixa ou não estarão interessadas em falar sobre o assunto, com medo de represálias. Tentámos chegar à fala com o médico Telmo Moreno, através de um dos seus advogados, ao que responderam que “o sr. Dr. Telmo Moreno e eu próprio, seu mandatário, não prestaremos qualquer declaração concreta sobre os factos”, acrescentando que o médico “pugnará no local próprio, seja, a Audiência de Julgamento, de forma intransigente e enérgica, pela sua completa absolvição, estando absolutamente convicto que demonstrará a sua inocência e total ausência de qualquer culpabilidade relativamente a tais factos”. Telmo Moreno tem actualmente 75 anos. Trabalhou no hospital de Bragança entre 1980 e 2009, estando já reformado. No entanto, continua a exercer na clínica privada que fundou, mas que recentemente foi adquirida pelo Hospital Privado de Bragança. Muitos exames complementares são realizados nesta clínica, encaminhados pelo Serviço Nacional de Saúde. Em Bragança, é o único local onde podem ser feitos. Não se sabe ainda quando começarão as sessões de julgamento.