Qua, 22/02/2023 - 11:08
Nas terras frias de Trás-os-Montes mandava a tradição que, com a chegada do Carnaval, as mesas fossem postas com o tradicional butelo com casulas. O butelo, um enchido enigmático, que só se descobre verdadeiramente depois de aberto, é o rei do prato, acompanhado pelas casulas que são, nada mais, nada menos, do que as vagens secas. A receita parece simples, mas a explosão de sabores é arrebatadora. Depois de degustado pela primeira vez, este prato tende a repetir-se na mesa dos portugueses, que procuram a região para adquirirem estes produtos. Dada a procura e o carácter identitário de ambos, o município de Bragança organiza, desde 2015, o Festival do Butelo e das Casulas. Este ano arrancou no dia 17 de Fevereiro e termina hoje, na Praça de Camões. O butelo, a “jóia do fumeiro”, foi criado para o aproveitamento do porco, envolvendo a bexiga ou o bucho, “com um recheio de ossos de suã” (a coluna vertebral do porco). Quem o diz é Helena Cordeiro, natural de Algoso, no concelho de Vimioso, que veio pela segunda vez ao festival brigantino “para escoar os produtos”, à semelhança das dezenas de expositores que marcaram presença no certame. “Vim este ano e no ano anterior à pandemia. Ainda é muito cedo para dizer alguma coisa, mas sinto que este ano está mais parado, porque o poder de compra também é menor. Mas temos de começar a entrar na normalidade e tenho esperança que vai melhorar”, disse a vendedora ao início da tarde de sábado. No entanto, à medida que as horas passavam e o rodopio de visitantes se fazia sentir na Praça Camões - uma das principais artérias da cidade - as vendas também tiveram tendência a melhorar. “O festival está a exceder as minhas expectativas. Além de estar muita gente, há também muita gente a comprar, o que por vezes não acontece. As pessoas já tinham saudades de provar os nossos produtos”, disse Mafalda Maio, vendedora de butelos e casulas, natural de Duas Igrejas, no concelho de Miranda do Douro. Questionada sobre o segredo da confecção de um butelo, a produtora mirandesa apontou para “a técnica com que se aperta o enchido” “O butelo tem de estar bem unido quando é apertado. Para isso é preciso boas mãos e muita técnica. É um enchido exigente”, apontou Mafalda Maio. Entre os visitantes do Festival do Butelo e das Casulas era possível encontrar aqueles que vieram pela primeira vez, quer de vários pontos do país, quer da vizinha Espanha. Por outro lado, muitos eram repetentes naquelas andanças e reconhecem o acrescido valor deste tipo de iniciativas, não só para o concelho de Bragança, mas também para toda a região transmontana. “O festival está muito bem organizado. Conheço alguns dos expositores e todos eles me disseram que estavam a vender excepcionalmente bem os nossos produtos regionais”, disse Eliana Melro, visitante natural de Bragança. Para aquela filha da terra, que desde 2015 acompanha o progresso do festival, “qualquer evento é importante” para a cidade. “É fundamental que as pessoas venham cá, que visitem a nossa cidade, que comam nos nossos restaurantes e que comprem os nossos produtos. Quantos mais eventos e visitantes, melhor funciona a nossa economia”, rematou Eliana Melro.
Festival alargado para cinco dias
No leque de 48 expositores que compuseram o Festival do Butelo e das Casulas, muitos deles aproveitaram a ocasião para escoarem outros produtos locais, nomeadamente o azeite, o mel, o vinho e até artesanato. Além disso, a Praça Camões acolheu também demonstrações e degustações gastronómicas com chefs de renome e, ainda, o concurso do melhor Pastel Brigantino. No entanto, este ano, a pedido dos expositores, o Festival do Butelo e das Casulas foi alargado para cinco dias, ao contrário dos anos anteriores, que decorria apenas durante dois curtos dias. Para Hernâni Dias, presidente da Câmara Municipal de Bragança, o pedido de alargamento da duração do certame é “um sinal claro do agrado dos vendedores”. “Isto é a prova de que o butelo e as casulas têm vindo a ganhar uma expressão considerável na gastronomia de Bragança e da região”, disse o autarca. Com a Praça de Camões cheia de pessoas e com produtos de qualidade para oferecer, Hernâni Dias, fala de “fidelização” e da promessa desses mesmos visitantes regressarem à cidade. “O nosso objectivo é valorizar o produto, dinamizar a economia local e, de forma indirecta, promovermos a própria divulgação do território. Quando os turistas se deslocarem a Bragança, se nós tivermos o que lhes oferecer e com qualidade, seguramente estaremos a conseguir ter clientes para os anos seguintes”, adiantou. Além do sucesso do evento em si, toda a riqueza gerada em torno do festival, nomeadamente na restauração e hotelaria, é um dos motivos para a autarquia continuar a apostar no Festival do Butelo e das Casulas. “Temos milhares de pessoas a deslocarem-se a Bragança estes dias. Basta ver aquilo que acontece na hotelaria, que está completamente lotada e também a restauração. Isto é bom para nós, mas também para os concelhos vizinhos, que abrem as portas aos turistas”, rematou. Além do Festival do Butelo e das Casulas, a cidade de Bragança acolheu também o tradicional Carnaval dos Caretos. Unindo os dois, foram os ingredientes perfeitos para um fim-de-semana de sucesso para a capital de distrito.
Confraria do Butelo e das Casulas luta pela valorização dos produtos
No âmbito do Festival do Butelo e das Casulas, que decorre desde o dia 17 de Fevereiro, o jornal Nordeste foi conhecer a Confraria que está por detrás desta iguaria e que a tem levado a vários pontos do país e para o estrangeiro. Por onde passa deixa o seu rasto de apreciadores, em grande parte graças ao trabalho de valorização feiro pela Confraria do Butelo e das Casulas. Em 2011, pelas mãos de um grupo de amigos que se juntavam com regularidade para fazerem jantares, onde não faltava o butelo e as casulas. “Aí esse grupo foi percebendo que ambas as iguarias estavam a cair em desuso e era sobretudo difícil de as encontrar”. Quem o diz é Francisco Figueiredo, Grão- -Mestre da Confraria do Butelo e das Casulas, recordando a nostalgia provocada por esses jantares quando chegava o inverno. “Era um grupo de amigos que além de bons comedores, valorizavam as tradições. Desse grupo surgiu então a ideia de criar a Confraria do Butelo e das Casulas, que ao longo dos últimos 12 anos tem vindo visivelmente a crescer”, contou o Grão-Mestre. Actualmente, a Confraria conta com aproximadamente 100 confrades e com um trabalho imparável de valorização dos produtos que representam. “Além de Grão-Mestre sou também vendedor dos produtos e posso dizer que ele tem vindo a ser muito valorizado nos últimos anos, graças também ao nosso trabalho. A procura pelo butelo é cada vez maior e, no caso das casulas, praticamente já não se comiam e agora voltaram a estar na moda”, disse Francisco Figueiredo. Além da valorização do produto, que leva à subida do preço do butelo, rondando actualmente os 25 euros, a Confraria tem participado em eventos de divulgação por todo o país e na Espanha e França. Em Abril de 2022, alguns membros da Confraria do Butelo e da Casula de Bragança foram às Furnas, nos Açores, a título de experiência, confeccionar no solo vulcânico o cozido com os produtos transmontanos. O cozido foi confeccionado com típicas carnes do porco e as casulas. Depois de demolhadas, as casulas foram acompanhar as carnes no tacho à temperatura do vapor e do calor do interior da terra vulcânica. “A acção feita nos Açores foi algo fora de série. Agora queremos dar continuidade a esses projetos e queremos seguir para outros países da Europa”, afirmou. Quanto ao Festival do Butelo e das Casulas, que decorre desde 2015, em Bragança, o Grão-Mestre sublinha o trabalho feito “acima de tudo pelo município”. “É sempre um gosto vermos parte do nosso trabalho reflectido no Festival. Este ano fizemos um Capítulo da Confraria durante o evento. Conseguimos ter aqui 116 confrades de várias Confraria convidadas. Isto ajuda-nos a divulgar ainda mais o produto”, rematou. O XI Capítulo e Cerimónia de Entronização de novos confrades da Confraria do Butelo e da Casula decorreu no sábado, dia 18 de Fevereiro, no edifício Domus Municipalis.