É trivial ouvir-se dizer que os portugueses têm memória curta. Talvez assim seja, porquanto, tudo leva a crer, já poucos se lembrarão dos tempos em que os dinheiros da CEE começaram a inundar Portugal mas a maior parte acabou por ser mal empregue ou levar descaminho. Tempos em que correu na opinião pública a boutade “não comam com os pés”, atribuída a um eminente político socialista de então, que a terá proferido perante uma assembleia de correligionários e outros distintos machuchos. Parodiando, claro está, aqueles fiéis amigos que metem os pés e as mãos na gamela, chafurdando sem maneiras, até que a ração acabe. Mentira ou não a verdade é que tal recomendação, que não era dirigida a nenhuma estimada família canina mas a uma outra desumana raça de cães da democracia, caiu em saco roto, como mais uma vez agora se constata. Os escândalos relativos à utilização indevida e o descaminho de fundos provindos da União, considerando igualmente receitas próprias do Estado arrecadadas com o sacrifício e o suor dos contribuintes, continuam a acontecer às escâncaras e sem cessar. O que explica que Portugal, quando se prepara para comemorar 50 anos de democracia e 38 de adesão à CEE, continue a ser um dos Estados mais pobres, mais corruptos e socialmente mais injustos da União, por mais brilharetes que os actuais governantes, verdadeiros mestres de magia e funambulismo, digam que fazem e dias milagrosos que profetizem. Talvez os portugueses tenham mesmo memória curta. Pessoalmente, porém, estou convencido de que a maioria ainda se lembrará, uns mais amargamente do que outros, é certo, dos três anos de austeridade durante os quais Portugal foi tutelado pela mal-afamada Troika. Recaiu sobre Passos Coelho o odioso de ter sido ele a pôr em prática as medidas acordadas no designado Plano Troika, celebrado em 2011, entre o Estado Português e o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, como condição necessária para o empréstimo de 78 mil milhões de euros que visou, em última análise, vergonha das vergonhas, salvar Portugal da bancarrota. Ainda que ninguém, de boa fé, também se possa dar ao desplante de não atribuir ao rasgo e clareza governativa de Passos Coelho, o mérito do sucesso dessa gigantesca operação de ajuda político- -financeira que a má governação de José Sócrates havia tornado dramaticamente indispensável. Emblemática é a cerimónia de 3 de Maio de 2011, em que o afamado ex-primeiro ministro José Sócrates, tendo a seu lado o envergonhado e comprometido ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, comunicou ao País o estabelecimento desse indigno mas providencial contrato. Também não deixará a maioria dos portugueses de ter presente que o alívio da crise resultante do sucesso do Plano Troika acabou por ser sopro de vida, e de morte, dos governos de António Costa que lhe seguiram. Muito em especial do constituído sob a égide da célebre Geringonça, que ficou irremediavelmente marcado pelo aventureirismo ideológico, político e administrativo e de que a TAP é paradigma. Geringonça que acabou por gerar no próprio ventre a maioria absoluta mais absurda e abortiva de que há memória, que é mãe do governo mais desconchavado e desastroso que imaginar se pode. Mais visível agora quando de novo a UE está a injectar milhões de euros na suspeitosa administração portuguesa e mais uma vez se questiona a transparência e eficácia da sua aplicação, porque o primeiro-ministro António Costa tem limitado a governação a interesses partidários e particulares, varrendo o interesse nacional para debaixo do tapete de Bruxelas. É que os governos de António Costa não são de esquerda nem de direita. São do que lhe dá jeito. Claro que isto tudo só é possível porque o regime político vigente é uma cloaca de incompetências, compadrios, desonestidades e impunidades, o que também explica que os seus principais usufrutuários não o queiram reformar. Ainda que a forma leviana como António Costa tem constituído governos e governado não teria sido possível sem a explicita complacência de Marcelo de Sousa, para quem a política continua a ser um divertimento e a presidência da república uma excentricidade. Leviandade e excentricidade que, até aqui, têm combinado perfeitamente. Daqui para a frente se verá. Amargo e preocupante é constatar que os portugueses estão a viver de novo tempos dramáticos de incerteza, com sérios pronúncios de grave crise económica e social e sem que Portugal tenha governo e oposição à altura. Só assim se compreende que o presidente da república se agarre agora à tábua de salvação da estabilidade política e grite à sacrificada Nação: aguenta que é democrático! Será mesmo que o é? Talvez melhor será ilegalizar o PS para salvar a democracia, e permitir que os muitos e bons socialistas que ainda restam fundem um novo partido. Mas atenção: o PSD que não se fique a rir e se cuide.