Qua, 04/01/2023 - 11:50
Os empresários não se queixam apenas da falta de mão-de-obra qualificada, mas também de não haver pessoas dispostas para trabalhar nos sectores. As razões? A falta de formação na região, a subsidiodependência e o estrangeiro como melhor opção.
A Sofrinor é uma empresa de climatização em Bragança. Tem oito funcionários, mas apenas metade da equipa são pessoas especializadas. Neste momento encontrar algum técnico na área, é um achado. “Eu procuro no centro de emprego, às vezes faço publicações, já nem peço técnicos, já só peço pessoas com alguns conhecimentos, tem aparecido algum pessoal de vez em quando, mas nem sequer tem conhecimentos e muitos não vêm educados para trabalhar”, disse o proprietário.
João Machado considera que as pessoas “estão a ser educadas para não trabalhar” e recentemente sentiu isso numa entrevista de emprego. “Tenho o exemplo de um rapaz que entrevistei há um mês e meio e ele mesmo me disse que vinha trabalhar, mas que não precisava, porque tinha direito ao desemprego. Portanto, os jovens estão a ser educados para ir buscar ajudas, em vez de se colocarem no mercado de trabalho”, afirmou.
A falta de mão-de-obra obriga ao atraso no agendamento das instalações. Além das marcações que já ficam feitas, existe também a compra à última da hora, o que torna “um bocado impossível de dar resposta”. “O tempo de instalação média ronda as três semanas a um mês. A procura por alternativas de calor, principalmente no caso de ar condicionado e bombas de calor, aumentou bastante, daí o prazo ter alargado um bocado”, explicou.
Outro dos problemas para os jovens não estarem apostar nesta área, na opinião de João Machado, tem a ver com a falta de formação relacionada com a climatização. “Se fosse ao centro de emprego e pedir alguém ligado à nossa área não há sequer cursos profissionais ligados à climatização, não há cursos para técnico de frio, não há cursos para electricistas, não há cursos para pichelaria. Há cursos ligados a atendimento. Saturamos as pessoas com esses cursos que na prática não estão a levar a nada”, disse o empresário, acrescentado que é necessário fazer um trabalho de marketing e encaminhar os jovens para estas áreas, uma vez que trabalho não falta.
Este ano devido ao aumento dos preços e do custo de vida, a procura baixou “um bocadinho”, mas ainda assim, João Machado diz haver “muito trabalho”, até “demais”, só falta mesmo a mão-de-obra. “A falta de mão-de-obra qualificada é um problema gravíssimo. Está a ser cada vez pior. Oferecesse as condições todas, promovemos formação para pôr a pessoa no mercado e mesmo assim não conseguimos o que pretendemos, que é mão-de-obra qualificada ou qualifica-la”, afirmou.
E os salários são “bastante acima de muitos empregos noutras áreas”, segundo João Machado.
Outro dos sectores mais afectados é a construção civil. Arranjar um carpinteiro ou um picheleiro em Bragança não parece ser tarefa fácil. Pelo menos não é para o empresário Pedro Nogueiro, da Abel Luís Nogueiro & Irmãos. “Não temos grandes alternativas de recrutar mão-de- -obra porque ela não existe”, afirmou, referindo que este tipo de profissões “não são tão cativantes como outras” e uma das razões será os “salários baixos”.
“Nós temos que ter condições de pagar melhor este tipo de profissões e isto leva-nos a outras questões que são ‘como é que conseguimos pagar melhor?’, questionou o empresário. Uma das soluções passaria por criar medidas governamentais que permitissem às empresas “pagar melhor”.
Além dos salários, também a falta de formação especifica na região é um problema. “As próprias escolas profissionais também não dão esse tipo de formação”, disse. E trabalho existe. E não é pouco. “Temos o PRR para executar, no âmbito das obras públicas essencialmente, e de obras particulares também há muito trabalho. Há muitas obras que não vamos conseguir executá-las, porque não há mão-de-obra”, frisou Pedro Nogueiro.
O empresário já deixou de concorrer a concursos públicos, devido aos recursos humanos serem limitados. “Semanalmente são lançados concursos públicos na região e acabamos por não concorrer. Por vezes até somos solicitados a concorrer e temos que dizer que não temos disponibilidade, porque já temos os nossos compromissos e não conseguimos honrar todos os compromissos porque temos essa limitação de mão- -de-obra”, explicou.
E se falamos em falta de mão-de-obra automaticamente também pensamos no sector da restauração, que é conhecido por pagar mal e se trabalhar muito. Mas será que ainda é assim? Para o empresário Tiago Alves, proprietário dos restaurantes Pasta Café e Iguarias da Veiga e ainda da distribuidora Comer em Casa, as coisas já não são bem assim no que toca à remuneração.
“Os que querem mesmo ser profissionais vão ter trabalho sempre e vão ser muito mais bem remunerados do que aquilo que se pensa, ou daquilo que era comum quando havia muito oferta há 10 ou 20 anos. Um bom funcionário de mesa é muito bem remunerado, a questão é ele querer, ou seja, haver factores motivacionais e a pessoa sentir-se realizada e ver um futuro ali”, referiu.
O problema está naqueles que “só procuraram um trabalho momentâneo ao qual não era o seu inteiro agrado dar continuidade” e em que “é mais fácil receber um subsídio”.
Tiago Alves considera que a subsidiodependência é um problema bastante evidente nos dias que correm. Já recorreu ao Centro de Emprego para conseguir trabalhadores e se há cinco anos foi uma ajuda, neste momento não, porque “não existem pessoas lá que queiram trabalhar”.
A falta de mão-de-obra qualificada, como ajudantes de cozinha, cozinheiros, colaboradores de mesa, é mesmo o grande problema. Muitas vezes, recruta os funcionários e é a empresa que lhes dá formação para que consigam trabalhar. Até porque na região, formação relacionada com a restauração também não há. “Não temos formações desde o início, em que alguém pensa com 18 anos que vai ser um chefe de cozinha. Temos algumas coisas esporádicas associadas ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, mas muito subtis”, disse, acrescentando que também o Governo deveria ter em conta os sectores onde são realmente precisas pessoas e criar formação nessa área.
“Se pensar em abrir um restaurante e precisa de sete pessoas, onde é que eles estão? Onde é que há esta oferta? Não há ou tem que criar condições para trazer pessoas de outras cidades”, afirmou, explicando que muitos restaurantes para conseguirem dar resposta a eventos ou festas têm que trazer profissionais de Braga ou do Porto.
Tiago Alves entende que se o Instituto Politécnico de Bragança abrisse cursos ligados à restauração, iria atrair e formar jovens, que depois ficariam a trabalhar na região, até porque “nos locais onde há formação é muito mais fácil de haver mão-de-obra”.
Certo é que a agricultura também não foge a este cenário. São poucos os jovens que se dedicam à actividade agrícola, só mesmo aqueles que “gostam” e esses apostam na própria empresa.
Segundo o presidente da Associação Distrital de Agricultores, sediada em Mirandela, há “muita dificuldade” em arranjar pessoas que queiram trabalhar na agricultura e muito menos existe mão-de-obra especializada.
Para José Pegado este problema não tem a ver com os ordenados, até porque “um jornaleiro, se calhar, ao fim de um mês tira um salário tão ou mais elevado que uma pessoa com formação superior, a ganhar 50 euros ao dia”. No entanto, “é uma actividade suja, de esforço físico e sem prestígio” e a subsidiodependência, na sua óptica, também não ajuda. “Hoje em dia preferem ir para o desemprego porque recebem sem fazer nenhum, ou candidatar-se ao rendimento de inserção e quase ganha tanto como estar a trabalhar”, sublinhou, afirmando que “as políticas sociais que têm vindo a ser implementadas ao longo dos anos não favorecerem o crescimento económico”.
O agricultor disse que esta situação vem a piorar de ano para ano, com as aldeias envelhecidas e a ficarem cada vez mais desertificadas. “Correm 10 ou 12 aldeias para arranjar uma pessoa que queira ir trabalhar e no dia que prometeu que ia se calhar nem aparece”, apontou. Vale aos agricultores a mão-de-obra estrangeira, que é a salvação de muitos.