As Costas dos Costas

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É nas costas dos outros que vemos as nossas, diz, sabiamente, o nosso povo e vem mesmo a calhar a propósito das polémicas à volta dos Costas da lusa classe política. Começara, esta semana, com a tão insistente, quão descabida e injustificável “exigência” de demissão de António Costa (o Silva) e acabou na controvérsia entre Carlos Costa (o ex-Governador) e António Costa (o Primeiro Ministro). Diz o antigo responsável do Banco de Portugal que o governante o terá condicionado, através de telefonema, curto e agreste, sobre a avaliação da idoneidade de Isabel dos Santos para poder estar ou não, na administração do Banco BIC. E foi o que se viu. Irritação do político, com ameaça de recurso aos tribunais, testemunhos de um lado e de outro, com curiosos cruzamentos políticos e pouco inocentes “confusões” entre BIC e BPI, indignações da oposição, e repulsa da maioria, precisamente, com a indignação oposicionista. Tudo muito teatral! Mas, mesmo no teatro, por mais ficcionado que seja o argumento há e haverá sempre bons e maus atores, melhores e piores personagens. Vejamos o caso em apreço. Terá Costa (o António) telefonado a Costa (o Carlos) recomendando-lhe que não destratasse a filha de um presidente de um país amigo? É bem provável que sim. E então? Por acaso está já esquecido o tempo em que a “princesa” africana passeava o seu charme pela Avenida da Liberdade e despejava dólares, aos milhões, pelo capital social das principais empresas portuguesas? Tratou o PS, com cuidado e deferência, a elite angolana, sobretudo a família Santos? Claro que sim. E o PSD não? Por acaso os Sociais-democratas ou mesmo os Democratas-cristãos afrontaram os dirigentes de Luanda, nas suas opções “institucionais” ou, tão pouco, nos negócios assumidamente particulares? Quererá, porventura, Montenegro fazer-nos crer que se em vez de Costa, fosse ele o inquilino de S. Bento teria importunado, de forma séria e consequente, a senhora engenheira? Por outro lado, que interesse público pode haver na revelação de um putativo telefonema que ninguém, em boa verdade, pode reproduzir, ipsis verbis, em todas as suas palavras, interjeições e, muito menos, intensidade, bem como pretensa irritação? Porquê, agora e não na altura? Ao assistir a esta ópera bufa, a este triste espetáculo de lavagem de roupa suja e encardida há perguntas que não podem deixar de ser feitas. Que idoneidade tem quem, encarregado de julgar e decidir sobre a idoneidade alheia (e falhou, redondamente, pelo menos, no caso BES), não consegue ser suficientemente idóneo para manter em privado uma conversa privada tivesse ela o teor que tivesse, dado que a não reve- lou em tempo e útil? O Governador do Banco de Portugal é independente. Sendo-o, não pode sentir-se pressionado. Se não consegue resistir às pressões (e devem ser imensas, provenientes de poderosos agentes políticos e financeiros) então não tem condições para continuar no cargo. Mas se resiste, então as pressões são irrelevantes e não há razões para serem divulgadas, vários anos depois. O Primeiro-Ministro foi o único a “condicionar” Carlos Costa? Porque não foram reveladas todas as outras? Ou será que às outras resistiu (a ser assim, algumas decisões mereciam melhor explicação) e aquela não? Mas, se assim foi, denunciá-la, só seria útil se divulgada no seu tempo. Ou, pelo menos, pouco tempo depois, numa conhecida Comissão Parlamentar de Inquérito onde o então Governador apareceu... totalmente desprovido de memória. Que bom, para ele, que a amnésia foi temporária e reversível!

José Mário Leite