COMER, LER OU RESPIRAR?

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Há quarenta anos, altura em que co- mecei a demandar, com alguma regularidade, o Planalto, para ir de Moncorvo a Mogadouro, tinha de se passar por Carviçais e ainda bem. Fazía por ultrapassar a Serra do Robo- redo, a meio do dia e, antes de abandonar a longa fila de casario, encostava à direita, quase ao fim da última reta e franqueava uma porta rústica para me banquetear com a Posta do Artur, uma das melhores do nordeste. O restaurante, apesar de exíguo (em alturas de grande enchente, sobretudo no tempo da caça, prolongava-se para um quintal, as traseiras) era famoso, como o testemunhavam as inúmeras e criativas mensagens espalhadas pelas paredes. A notoriedade do estabelecimento confundia-se com a do seu proprietário, o Artur, e che- gava longe, tendo ficado célebre um dito do mesmo. Quando um comensal lhe solicitou a ementa o dono do estabelecimento olhou-o de frente e questionou-o: “O senhor veio aqui, para comer ou para ler?”. Para comer, sem dúvida, iam, vão e irão (espera-se) a Carviçais todos quantos apreciam a boa posta mirandesa. Esperemos que continuem a ir porque as nuvens que se vislumbram no céu são negras e pesti- lentas. Anuncia-se a construção, para breve, de uma fábrica de transformação de bagaço de azeitona que irá desfigurar a pacata e ecológica povoação de Carviçais. Seria dramático se o emblemático Artur tivesse de alterar o rifão que o notabilizou e, perante a reclamação de algum cliente, por causa da escuridão do ar e do insuportável cheiro tivesse de o questionar: “O senhor veio aqui, para comer ou para respirar?” O drama de Carviçais não se restringe ao restaurante O Artur, que se expandiu e mudou de lado da estrada que atravessa a aldeia. Os comensais podem escolher onde comer e o próprio estabelecimento pode mudar, mais uma vez, de lugar. Mas os habitantes, não! E o que dizem eles do que lhes está prestes a cair sobre a cabeça? Obviamente, estão con- tra! E, em consequência, contra a instalação de tal em- preendimento, estarão os seus legítimos represen- tantes. Não! Não estão! Vão dizendo que não estão a favor, que tal ativida- de não está alinhada com o programa com que foram eleitos mas... ninguém os ouviu dizer que estão total e inequivocamente, Contra! Pois bem, felizmente es- tamos num regime democrático e a oposição, de certeza que aproveitará o apoio popular para ma- nifestar a sua manifesta desaprovação de tal iniciativa! Pois é... Mas, inexplicavelmente, também não é assim! Como não? Não. Estão, obviamente, ao lado da população, mas também com grande compreensão para com os oli- vicultores cujo “problema” de destino final dos resí- duos dos lagares de azeite, é necessário resolver! Pro- blema esse que se agravou, nos últimos tempos, com o grande aumento da produção de azeitona. A produção de azeitona aumentou, muito. No Nordeste? Em Trás-os-Montes? No Norte? Não. No Alentejo de onde é, curiosamente, originária a empresa que se propõe vir poluir os ares e solos nordestinos. As estranhas “especificidades” deste processo não se ficam por aqui, mas não cabem, já, nesta crónica. Voltaremos ao assunto, brevemente!

José Mário Leite