Na hipocrisia anódina da análise dos resultados eleitorais, salta-nos no imediato uma maioria absoluta, que ninguém esperava e que quase ninguém desejava. Pouco resta para dizer. Sabemos quem ganhou e também sabemos porquê. Alguém tinha de ganhar e os dois partidos maiores estavam na grelha de partida. Chegou à meta o PS. Já outras vezes ganhou e outras perdeu, como é natural em democracia. Assim, será natural e lógico que da próxima vez ganhe o PSD. É a alternância política a trabalhar e a manifestar-se. O que não é tão normal, é o povo português, tão avesso a maiorias, ter dado essa primazia a António Costa e ao PS. Em Portugal elas não são de boa memória. Deram pelo menos em duas crises económicas e entre elas uma bancarrota. Vamos a ver o que dá desta vez todo o poder que depositaram nas mãos do primeiro-ministro. Agora, temos um Parlamento com nova composição, com outros valores, com outros objetivos e com outra oposição. Apesar do PS estar em maioria, isso não lhe dispensa o máximo de atenção às críticas da oposição e não lhe permite democraticamente governar a seu bel-prazer, como se de uma ditadura se tratasse. Era o que faltava. Se tal acontecesse, seria o fim do partido socialista certamente. Saíram alguns partidos da Assembleia ou ficaram bastante reduzidos por falta de representatividade. Foi pena que assim acontecesse, pois eram fundadores da democracia como é o caso do CDS e do PCP. Deram os seus lugares a outros que certamente os não irão dignificar. São as alternâncias da democracia e as ondas de movimentação do povo que, por vezes, causam verdadeiros tsunamis. Varridos o CDS, o PEV e reduzido o PCP e o BE, os lugares vagos foram ocupados por novos teorizadores da política portuguesa. Todos, oposição ao PS e ao futuro governo. As desculpas que cada líder deu para o fracasso eleitoral, foram diversas e puseram a tónica no logro que o PS proclamou durante a campanha e nas promessas não cumpridas. O povo julgou e esse juízo terá consequências obviamente. Contudo, a autodesculpabilização de Francisco Rodrigues dos Santos do CDS foi positiva e em tempo certo. Não tinha outra alternativa senão assumir as culpas de alguns desmandos em tempo inoportuno. Mas como é evidente, o CDS não morreu. Ele mantém-se vivo em quase cinquenta autarquias nacionais, nos governos insulares e na Europa. Fora do Parlamento, é verdade que tem uma árdua tarefa de reconstrução nos próximos quatro anos e caberá ao novo presidente, após Congresso Nacional, esse trabalho penoso, mas certamente reconfortante. A próxima Assembleia da República terá com certeza a sua representatividade. É um partido democrático e um dos fundadores da democracia em Portugal e não pode ser banido do espetro político nacional sob pena de ser uma forte machadada não só para a democracia cristã, mas também para a democracia em geral. O crescimento do Chega no Parlamento, veio alterar substancialmente os assentos a ocupar na casa da democracia nacional e igualmente subverter, quiçá, a oposição a fazer ao PS. Se vão tomar assento, foi porque os portugueses assim o escolheram e contra isso nada a fazer. Como se vão comportar como oposição, como vão apresentar as suas propostas e como as vão discutir, é o que se vai ver logo que se inicie a discussão dos vários diplomas. Até agora, era um partido de um homem só e daqui para a frente? Vamos assistir aos debates também de um só deputado? Ventura não deixa falar mais ninguém! Dentro de algum tempo poderemos constatar se é mais um partido condenado a desaparecer ou não. Outros surgiram de igual modo e depois de uma ou duas legislaturas, desapareceram do quadro político nacional. Enfim. Coisas da democracia. Vimos agora o que aconteceu também ao PEV, ao BE e ao PAN. A tendência decrescente dos partidos não fundadores da democracia tem sido grande. Possivelmente o CDS reerguer-se-á, mas estes poderão não ter estofo para tal. No final de tudo isto, a bipolarização irá sempre ser uma constatação. O próximo governo de Costa será idêntico ao anterior e poderá ser o último, segundo creio a seguir a lógica dos últimos quarenta anos. O PSD poderá ser o vencedor das próximas eleições legislativas, com ou sem maioria. Penso que as maiorias são prejudiciais e tendencialmente redutoras da democracia fazendo lembrar um pouco as ditaduras de má memória na Europa que aliás, ainda hoje se mantêm. Sendo Costa um governante sagaz e inteligente habituado a lidar com outros governos e tendências, saberá demarcar-se dessas tentações onde só um manda em todos. Temos quatro anos para julgar. Agora meus senhores ocupem os seus lugares e mostrem que a democracia tem pernas para andar e, por favor, não nos façam ir a eleições novamente daqui a dois anos.