Filho de um sapateiro, Manuel Fernandes nasceu em Vila Flor, pelo ano de 1601. Tinha 4 irmãos e 3 irmãs. Apenas um irmão, Pedro Vaz e uma irmã, Beatriz Vaz casaram e viveram em Vila Flor. Os outros 3 irmãos embarcaram para o Brasil, alguns ainda com bem pouca idade. As irmãs, Isabel Vaz, casada com Pedro Henriques, e Violante Rodrigues, casada com Pedro Marcos, foram assentar morada em Castela. Manuel Fernandes, por seu turno, fez-se tratante e negociava também por Castela, possivelmente em rede de negócios com os seus parentes. Ao findar da década de 1620, foi acertado o seu casamento em Bragança, com Catarina Pimentel. Nesta cidade o casal estabeleceu sua morada e ali lhe nasceram 8 filhos: 5 rapazes e 3 raparigas. Manuel Fernandes foi um dos cerca de 50 cristãos-novos brigantinos que, em Janeiro de 1661, assinaram uma petição dizendo que queriam apresentar-se a confessar seus erros, conforme vimos no texto anterior. Com ele assinaram aquela petição 4 de seus filhos, conforme se lê nos respetivos processos e que foram: João Pimentel, mercador como o pai, que então contava 24 anos e viria a morrer solteiro, em Sevilha, deixando um filho natural, chamado Manuel Fernandes como o avô, e que, por 1713, vivia no Algarve, com a profissão de ourives. Sebastião Pimentel, de 24 anos, torcedor e mercador de sedas e depois “ourives do ouro”, então solteiro e mais tarde casado com Maria da Costa. O casal foi também estabelecer morada em Faro, onde Sebastião acabou por falecer. Filipa Dias, de 15 anos, solteira. Jerónimo Pimentel, de 26 anos, torcedor de sedas, casado com Ventura Nunes Henriques que, meio ano antes, fora presa e levada para a inquisição de Coimbra, de onde saiu penitenciada no auto da fé de 9.7.1662. O casal viveu em Bragança e ali lhe nasceram 3 filhos que apresentaremos em próximo texto. Por agora diremos que os 3 deixaram Bragança e se foram para Beja. Um deles foi mercador e os outros dois fizeram-se ourives. Na geração seguinte, entre os netos de Jerónimo e Ventura, encontraremos gente formada pela universidade de Coimbra. E em Beja, terão problemas com a inquisição, pois alguns deles foram levados para as cadeias do tribunal de Évora. Estamos então em Bragança onde Manuel Fernandes e os filhos foram ouvidos pelo inquisidor Manuel Pimentel de Sousa, abrindo-se a cada um o respetivo processo e nele autuadas as suas confissões. Passaram 9 anos, ao fim dos quais, em Abril de 1670, todos foram chamados a Coimbra, para ouvirem suas sentenças, em mesa, e pagar as custas dos processos. No caso de Manuel Fernandes, as custas ascenderam a 618 réis. No mesmo ato terão sido também lidas as sentenças da mulher de Manuel Fernandes e de outra filha chamada Isabel da Fonseca, casada com Jacinto Ferreira. Depreendemos que ambas tivessem assinado também a referida petição, sendo ouvidas igualmente em Bragança e chamadas a Coimbra para o mesmo efeito. Não podemos, no entanto, ter a certeza, pois não tivemos acesso ao processo de Catarina Pimentel e nas listas dos ANTT não aparece qualquer processo instaurado a Isabel da Fonseca, que aparece nas listas dos réus sentenciados. Para além dos filhos já referidos, Manuel Fernandes e Catarina Pimentel tinham outros, a saber: Antónia Mendes, a mais nova, então solteira e moradora na casa paterna, a qual, mais tarde, casou com Domingos Mendes, ourives. O casal morou em Beja, onde Antónia era já falecida em 1712. Um filho destes casou com sua prima Catarina, filha de Sebastião Pimentel e Maria da Costa. Diogo Vaz que, por 1641, com pouco mais de 12 anos, se foi para o Brasil. Fernando da Fonseca Chaves que, por 1645, contando cerca de 11 anos, foi para Beja onde casou com Lina Maria e se tornou mercador. Seu filho, João Rodrigues da Fonseca, ver-se-á envolvido na chamada “cumplicidade de Beja”, sendo preso pela inquisição de Évora, denunciado pelo médico brigantino radicado em Beja, Dr. Francisco de Sá Mesquita. Se olharmos o enquadramento profissional de Manuel Fernandes, seus filhos e genros, deparamos com a preocupação de escolher uma profissão mais digna, em cada geração, visando a promoção social da família. Nenhum deles seguiu a profissão de sapateiro e poucos se ficaram pela mercancia. Antes se tornaram torcedores de seda e ourives. Na geração seguinte, veremos filhos destes ascender a contratadores, médicos, advogados... Outra consideração que se impõe é a grande mobilidade que marca o percurso desta gente, rumando de Bragança para o Brasil, Castela, Faro e Beja. Na geração seguinte encontramo-los em outras paragens. O caso desta família é bem exemplar. Até que ponto esta mobilidade seria voluntária e preparada? Ou seria forçada, em fuga permanente dos esbirros da inquisição? Difícil responder com certezas e as duas hipóteses confundem-se, pois que a mobilidade, a procura do desconhecido e a disposição permanente para abraçar qualquer negócio ou situação nova sejam características essências da gente da nação, uma “nação em movimento”. Voltemos a Bragança, ao patriarca Manuel Fernandes que, em 12 de Março de 1661, se apresentou voluntariamente “na casa onde pousava o senhor inquisidor” para confessar suas culpas de judaísmo. Confessou então que fora doutrinado na lei de Moisés, uns 36 anos atrás, em Medina de Rio Seco, por sua prima segunda, Isabel Marcos, natural de Torre de Moncorvo, casada com Sebastião Pimentel, mercador. Acrescentou que com eles fez, naquele ano, o jejum do Kipur. De seguida, denunciou a mulher e os filhos, envolvendo, indiretamente, outras pessoas. Veja-se o caso de Sebastião Lopes: - Há 10 anos, em sua casa, com sua mulher e um filho de ambos, chamado Jerónimo Pimentel, torcedor de sedas, casado com Ventura Nunes, presa, e estando os três, disse a ele confitente seu filho e à dita sua mãe, que Sebastião Lopes, torcedor de seda, defunto, mestre do mesmo do dito ofício, casado com Leonor da Mesquita, lhe ensinara a crença… De modo semelhante, denunciou Filipe Rodrigues, tendeiro, casado com Isabel Rodrigues, como doutrinador de seu filho João Pimentel. E também Diogo Nunes, por catequização de seu filho Sebastião Pimentel. Para além da família, denunciou, entre outros, Pedro Sória Nunes, mercador e cerieiro, morador na Rua Direita, Diogo Manuel, de Vinhais, com quem se declarou junto à “ponte das Tenarias”. Ambos tinham sido presos no ano anterior.