Pão e água

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Duas palavras de ampla projecção simbólica, religiosa, civilizacional, cultural e, na minha meninice e adolescência, significantes de criminosos que além de na condição de presos a fim de pagarem as suas dívidas à sociedade, não eram pagos por trabalharem nas obras de cunho estatal (p.e. o conjunto de edifícios da Praça Cavaleiro de Ferreira em Bragança) e, não raras vezes a sofrerem a punição de ficarem a pão e água. Ainda nos dias que correm restringir-se uma pessoa a pão e água carrega sobre os visados um saco de suspeições, para lá da caridade expressa nas obras de misericórdia: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede. Ora, o movimento Pão e água que na passada sexta-feira 13 (há coincidências…) surgiu na laboriosa cidade do Porto, provindo dos profissionais da restauração em protesto conta a avareza governamental na concessão de mais e melhores ajudas no fito de amenizarem as tremendas perdas que o importante sector dos restaurantes, casas de comeres, hotéis e expressões de negócio correlativas estão a padecer em consequência da misteriosa pandemia. A magia e elasticidade das palavras na apreciação de problemas desta envergadura leva- -nos a entrarmos não na caverna de Platão porque o filósofo na sua notável obra A República deixa antever simpatias pelo trabalho obrigatório que os «justiceiros» de agora classificam de escravatura, sim noutras cavernas que ao longo dos séculos homens empenhados na dignificação homem/Homem a todos os títulos e em todas as circunstâncias porque o governo das Nações deve ser para nos amaciar as asperezas do dia-a-dia e, por isso mesmo, trazer-nos felicidade e alegria no viver. Utopia? Sim, q.b., para lá disso quem nos governa tem de se empenhar na harmonização dos contrários e, neste ponto, foca – saúde pública, interesses, educação e conhecimento –, levando em linha de conta a real/realidade sugiro aos próceres do mando/poder consultarem S. Silvestre e o seu burro Mestre ou Doutor, pela simples razão de não ser possível satisfazer os agricultores proporcionando-lhe sol na eira e chuva no nabal ao mesmo tempo, na mesma hora. Se procedermos a uma pesquisa (termo em ascensão) por quem sabe penetrar nas referidas cavernas do conhecimento encontrará doutas palavras meditadas, sopesadas e ao nosso dispor da autoria de asnos do calibre do Burro de Ouro, que Apuleio deu a conhecer. O grande drama da classe política é a de na sua esmagadora maioria não ler para enriquecer a sua cultura, preferindo os tais livros de utilidade ao virar da esquina, daí os decisores entaramelarem o decidido no sentido das folhas das árvores dos interesses tácticos do momento. Os oráculos discretos, como devem ser, têm o cuidado, de nos advertirem para os perigos escondidos na roupagem económica e financeira, como um qualquer cidadão amigo e praticante de contas certas, não de facturas sebosas, receio o futuro, receio a factura a pagarmos derivada da peste em progressão e conflitualidades à la carte empreendidas no dia 14, estou quase a recear a própria a relembrar o Lucky Luke de pirisca no canto dos lábios antes do fascismo higiénico do PAN dos lulus fraldiqueiros. O movimento Pão e Água poderá ou não evoluir de forma a reeditar fenómeno semelhante à revolução das Maçarocas fórmula actual, no entanto, não antevejo casulo de possibilidades de uma Patuleia, porém ingredientes não faltam, o aparato será outro, os genes mamam da mesma teta. Até agora António Costa tem surfado a onda, porém caso o drama dos profissionais da restauração aglutinem mais e mais episódios dramáticos de infectados, famílias e pungentes odres de desgosto em virtude dos óbitos é possível adicionarem-se uns aos outros e daí formar-se um cacharolete de desespero a derrubar muros e barreiras a enlamear o inefável ministro Cabrita, a encharcar a ministra Temido e, por arrasto, todo o gabinete ministerial. O grande simulador Costa tem colocados os tenores socialistas a apagarem a maioria dos ecos da angústia, agora chegam a «roupa ao pêlo a Rui Rio porque os laranjinhas açorianos aceitaram gulosamente o aconchego de Ventura, passado o bruá-bruá da nuvem espumosa, resta a vacuidade do discurso do «tudo controlado», aumentará o fel desesperante. Deixo a interrogação: e depois?

Armando Fernandes