Seg, 16/11/2020 - 20:38
Estamos a viver uma situação limite, impensável para quem cresceu no último século e se habituou a acreditar num mundo em permanente progresso, a caminho de vidas gratificantes, longe das misérias que a memória histórica registou.
Afinal há monstros invisíveis que a mais alta ciência muito mal conhece, capazes de nos reduzir à insignificância e semear a desolação e a morte, que esmagam a serenidade, instalam o medo e a insânia.
As lideranças políticas continuam a dar sinais de desorientação, mesmo de pânico, o que não contribui para que as suas decisões sejam encaradas com confiança.
O recolher obrigatório para todos os dias não parece ter suscitado grandes reacções negativas da maioria dos cidadãos, que tinham ouvido elogios a propósito do confinamento da Primavera. Mas as medidas estabelecidas para os fins de semana foram mal recebidas, talvez porque não era possível encontrar-lhes explicação razoavelmente racional, nem justificação para eventuais melhorias na segurança e contenção da epidemia.
De facto, os restaurante têm vindo a cumprir com bastante eficácia as regras de distanciamento, higiene e limitação de grupos, ao mesmo tempo que alargaram o serviço para fora, importante para o conforto diário de largos milhares de pessoas. Não poderem manter um serviço que afinaram há meses parece estranho.
Ao mesmo tempo, as primeiras medidas anunciadas não estabeleciam limitações aos horários da grandes superfícies, reconhecendo a sua utilidade para o abastecimento quotidiano, permitindo a distribuição dos consumidores ao longo de todo o dia, importante para que não se verificassem concentrações. Mas, numa reacção inesperada à possibilidade de esses horários serem alargados para mais cedo, nova medida foi decidida: em vez de corrigir tranquilamente o eventual abuso, a solução encontrada foi a da embirração, que prejudicou principalmente quem tem procurado agir com sensatez, não esperando ver-se obrigado a mergulhar na multidão agitada que será inevitável nas cinco horas autorizadas para as compras nas manhãs de sábado e domingo.
Assim não se cultiva a confiança nas instituições, ao mesmo tempo que se agravam as dificuldades de empresas que garantem milhares de postos de trabalho e a angústia de milhões de cidadãos, que merecem mais do que simplesmente lhes fechem na cara as portas das suas próprias casas, como se se tratasse de uma turba de dez milhões de malandros empedernidos.
Entretanto, verdadeiras centrais de propaganda do poder em exercício vão disseminando o insulto soez sobre quem chama à atenção para possíveis consequências nefastas de medidas tomadas a esmo e, principalmente, sobre a comunicação social, numa manifestação de maniqueísmo que, pelo vistos, sempre esteve latente num país que devia ter aproveitado a lição da longa experiência do regime autoritário, obscurantista e pacóvio que marcou a nossa história recente.
Acresce que a informação sobre o desenvolvimento da epidemia tem vindo a ser objecto de limitações, nunca assumidas mas reais, nomeadamente ao nível local e regional, situação que promete confrontar-nos com surpresas de mau gosto. Então poderemos não ter outro remédio senão chorar e ranger os dentes, como anunciam os evangelhos para os tempos do fim.
Teófilo Vaz