Pós e contas

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Boas tardes, forte gente. Espero que a castanha esteja a pingar do jeito que esperavam e que o esforço para a apanhar seja bem recompensado. A economia trasmontana agradece. Como é natural as pessoas têm-me perguntado como está a situação do vírus aqui pela China. Como sabem deixei de falar sobre este tema por não haver nada que um leigo possa acrescentar. Já toda a gente está farta de saber o que isto é e o que há a fazer, de maneira que não vale a pena ser mais uma voz a insistir nas mesmas pesarosas e batidas teclas. Enquanto foi uma realidade que apareceu primeiro por estas bandas podia valer a pena tentar alertar as pessoas, mas a partir do momento em que se tornou uma questão global e quotidiana dei por findado o meu contributo para esse cansativo chover no molhado. É dar tempo à ciência para percorrer o seu caminho e irmos todos cumprindo o nosso papel para lidar com esta realidade. Mas hoje abro uma excepção após todos estes largos meses porque tenho recebido muitas mensagens a perguntar sobre a situação por estas bandas. Ora bem, aqui na China não tem havido Covid. A vida decorre normalmente como antes. Tirando as máscaras obrigatórias nos transportes públicos, umas medições de temperatura aqui e ali... Honestamente, quase só me lembro da existência do Covid quando leio as notícias de Portugal e vejo que o país e a Europa estão novamente mergulhados num epidémico caos. Não é que aqui se viva exactamente um pós-Covid porque ninguém está em condições de decretar “pós” coisa nenhuma, mas é uma vida normal quase como sempre foi. A sombra paira, continua a haver muita gente a usar máscara, houve uns casos no mês passado (cento e tal) em Qingdao, mas a coisa ficou por ali, até porque os nove milhões de habitantes da cidade foram todos chamados a fazer testes. Mas então o que é que a China tem ou faz para que não haja Covid e se possa sentir mais segurança ou viver mais próximo da tão almejada normalidade? Simples, a China continua com as fronteiras (praticamente) fechadas. Desde Março até hoje pouquíssima coisa mudou em termos de circulação de pessoas nas fronteiras. Os cidadãos nacionais podem regressar e têm regressado muitos, principalmente vindos dos EUA. Tenho conhecido bastantes chineses a viver lá há muitos anos que me dizem que o país está um caos - violência, insegurança, hostilidade - neste momento é uma sombra de si próprio e muitos chineses estão a voltar à procura de refúgio, na esperança de que a trumpestade passe e a coisa volte a assentar. Para os estrangeiros, o regresso à China é bem mais difícil, muito burocrático, só para quem tem visto de trabalho ou de negócios e mesmo nesses casos as instituições têm de superar montanhas de burocracia para conseguir trazer trabalhadores estrangeiros de volta. Os estudantes internacionais, por exemplo, ainda estão impedidos de regressar à China sem data anunciada. Há pouquíssimos voos e poucas companhias autorizadas a fazer voos internacionais, os aeroportos estão às moscas e os poucos voos que há estão a preços proibitivos. Ao chegar, uns e outros, estrangeiros e nacionais, têm de fazer duas semanas de quarentena em hotéis designados para o efeito, normalmente próximos do aeroporto. Em alguns casos as pessoas depois desses quinze dias ainda têm de ficar mais uma semana em casa, se posteriormente tiverem de se deslocar para outra província (praticamente só os aeroportos de Pequim e Xangai estão com voos intercontinentais). Mais, agora antes do embarque são exigidos dois testes feitos até 48 horas: o teste do Covid e também o teste serológico. Caso algum deles dê positivo, a pessoa não pode embarcar para cá. De maneira que a moral da história é muito simples: aqui não há Covid porque as portas estão (continuam) fechadas a sete chaves. Não as confinadas portas de casa, mas as portas do país. E, segundo parece, pelos menos é essa a percepção das pessoas, não vão abrir tão cedo. Não enquanto não se controlar a pandemia pelo mundo fora ou enquanto não houver uma vacina para proteger, segundo estimam, cerca de 20 a 25% da população. Diria que a normalidade, ao que à circulação de pessoas diz respeito, não vai chegar antes de 2022. E pronto, no caso do Covid não há mesmo milagres. Há apenas medidas que se podem ou não tomar. Antes que alguns comecem desde já a dar azo ou a corroborar certas teorias, é preciso dizer que não só o país está vedado como o Covid trouxe um rombo gigantesco. Aqui tudo é maior em escala. A economia começa a recuperar, mas largos milhares (milhões?) de pessoas ficaram sem trabalho, imensos negócios foram ao ar, muita gente por conta própria foi trabalhar para outrem, outros mudaram de ramo profissional, as famílias perderam poder de compra, alunos ficaram sem poder continuar a estudar. E aqui as pessoas não tiveram direito a lay-off, foi mesmo chapa zero durante meses a fio... Eu próprio, passe o pleonasmo, conheço gente que se enquadra em todas essas situações e tenho ouvido outras tantas histórias desta natureza, por isso embora desconheça números oficiais, não tenho dúvidas da abismal dimensão destes problemas. Por tudo isso, esta é uma normalidade ainda com um pós muito desconfiado e com imensas contas à vida para fazer. Um abraço e bons magustos a todos, na medida do que o bom senso dos novos tempos possibilitar.

Manuel João Pires