Ora boas tarde. Espero que essa saúde esteja boa e que vão desfrutando das tardes soalheiras. Tudo sabe melhor ao sol, inclusive voltar ao normal. Hoje vou falar de uma coisa que domino na óptica do observador. Há as pessoas que gostam e percebem das redes sociais porque vivem dentro delas e não passam sem aquele burburinho do posta aqui, partilha acolá e depois há as pessoas como eu que vão acompanhando a actividade das redes sociais na perspectiva do espectador que fica de fora a apreciar o modo como os outros se divertem a fazer as coisas lá dentro. Não é um adepto a ver o jogo da porta do estádio, ansioso por irromper torniquete adentro, mas mais um mirone que aparece ali em dia de jogo porque toda aquela movimentação e corropio surge agora também nos meios noticiosos tradicionais. Acabo por fazer como aqueles senhores da Liga dos Últimos que iam à bola mas não viam o futebol. O que os entusiasmava era o frenesim das tardes de bola. E as rodadas de minis, também. No meu caso o que se passa nas redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram, etc.) chega-me através das notícias que vou lendo. Antigamente os jornalistas tinham o mundo como matéria passível de ser notícia, agora têm o mundo em geral e o mundo das redes sociais em particular. Os jornalistas têm mais por onde trabalhar porque podem noticiar as coisas que acontecem no mundo cá fora e depois noticiar o que foi dito sobre elas dentro do mundo das redes sociais. É a notícia ao quadrado. Parece confuso, mas são dois mundos muito paralelos e não poucas vezes falaciosos. Uma das características do mundo das redes sociais é que tem sempre de se mexer, de estar em movimento. Não pode fazer uma pausa, desconectar-se, tirar um fim de semana para desconfinar as ideias e ir simplesmente ver os passadiços do Paiva, sem fotos, likes ou toda aquela parafernália que o traz à beira de um burnout. Quem está dentro, essencialmente gosta de opinar sobre coisas e parece ter de haver sempre um ou vários temas a circular para ninguém ficar parado. Todos os assuntos e propósitos são bem-vindos para dar ao dedo mas os temas propensos à indignação são os jogos grandes das redes sociais. Existem os que estão no relvado a suar e comer relva, bola cá, bola lá, as claques a apoiar os seus, equipas técnicas a mandar bitaites, bifanas, cervejume, é a festa da taça, às vezes saem cacetadas, o pessoal bate palmas ou assobia, há quem entre com tudo e quem peça licença para fazer uma faltinha técnica, mas no fim a coisa termina em bem porque afinal é tudo muito impessoal. Normalmente os jogos acabam porque começam logo outros. Os temas sucedem-se no mundo externo, hoje de manhã era porque um governante fez uma coisa qualquer, logo à noite é porque uma figura disse não sei o quê. Mas o mundo externo muitas vezes é só o pretexto, a ignição, porque as redes sociais só precisam de um lamiré, uma faísca para pôr o motor a trabalhar, depois são auto-suficientes e é sempre a dar gás. Apenas necessitam de um empurrão porque depois a indignação passa a centrar-se nos comentários que se fazem lá dentro. Normalmente os jogadores já se conhecem e as equipas também. De tal modo que muitas vezes as opiniões de alguns são já expectáveis e previsíveis. Há os jogadores mais valiosos, mais admirados, os que resolvem jogos e atraem multidões. E também há os que estão ali para destruir e levar pancada. É um desporto emocionante e universal. Outra coisa que um mirone tem dificuldade em perceber é o impulso incontrolável que as redes sociais exercem rumo à auto-demolição. Actos aparentemente muito estúpidos, a roçar a mais pueril irresponsabilidade, revestem- -se ali de grande naturalidade. Exemplos: um jogador de futebol proibido de sair e todos os seus familiares e amigos espalham fotos da festança, inclusive o próprio; um funcionário que tem transtorno obsessivo-compulsivo nas falanges dos dedos e não encontra melhor sítio para mandar o chefe às malvas do que ir escarrapachá-lo onde todos possam ver, inclusive o visado. Um juiz que na frente de um telemóvel ou computador sofre de absoluta incapacidade de guardar segredos de justiça, clubismos ou partidarismos. É um ímpeto que não olha a classes sociais ou económicas e que também se pode verificar pela quantidade de vezes que lemos notícias porque alguém fez um determinado comentário numa rede social. Até ministros da cultura já foram demitidos por isso, o que prova que não ocorre por falta de cultura ou parolice, mas é antes uma inerência de se ser um cidadão contemporâneo. Creio que é algo que já virá no código genético das próximas gerações, embora faça menos falta do que o apêndice ou os dentes do siso. Uma característica que parece estar-se a desenvolver, e que já surge noticiada, é o silêncio dos indecentes nas redes sociais. Quando um jogo grande está a decorrer e se encontra no seu auge, ataque, contra-ataque, com todos os elementos a dar o seu melhor, o facto de alguns jogadores não participarem parece deixar muitos outros revoltados. Fulano não disse nada sobre isto, então fulano é a favor ou contra isto. Não interessa se fulano estava na casa de banho ou se tinha outras coisas para fazer que o desviaram da internet. Não disse nada e por isso disse tudo, o execrável. Seja o assunto o racismo, os desconfinamentos ou outro qualquer, é notícia o silêncio de quem não participa nesses jogos grandes das redes sociais. Não interessa se a pessoa expressa a sua opinião cá fora ou se as suas acções falam por si, o importante é despejar qualquer coisa para não fazer parar a dinâmica. Assume-se ou convenciona-se que a intervenção cívica se resume a premir umas teclas. Teclei, está feito, sou um cidadão exemplar, venha a próxima. Nem interessa se se é um perfeito energúmeno, desde que se mostre a pele certa no ecrã está tudo bem. Preocupamo-nos mais em ser e parecer lá dentro do que cá fora. É fútil e é assim que nos vamos silenciando onde não nos devíamos silenciar.