Há alguns anos, tinha um sonho recorrente. Ali estava eu, vestida de noiva, com a sensação de ter o coração esmagado no peito. Não sei se o vestido era bonito ou feio, apenas que era farfalhudo e comprido. Tinha o cabelo apanhado elegantemente atrás, com algo preso, branco e translúcido, a esvoaçar. Estava na igreja da minha terra, o que justifico com o facto de a minha mente saber que foi naquela em que entrei mais vezes, e por isso era mais fácil construir um espaço cénico. Ali estava eu, contava-vos, caminhando agoniada , sem sorrir e sem olhar para os lados, até parar no altar, para encarar um noivo todo emperiquitado, cuja cara nunca vi com nitidez. O senhor padre, também desfocado, fazia a típica pergunta:”Aceita este homem (não havia direito a nome, era assim “homem”, genericamente) como seu legítimo esposo?”. E eu, inspirava, expirava, pensava e respondia com certeza:”NÃO!”. Pegava no vestido farfalhudo até quase ao nível dos joelhos e corria igreja abaixo, pelo corredor central, focada na porta. Além do toc toc acelerado dos sapatos de salto alto que tinha calçados, só ouvido os “oh!” de reprovação e surpresa dos convidados, que enchiam o local até ao tecto. Na rua, na calçada em paralelo, esperava- -me outro homem, montado numa grande motorizada preta como que se soubesse que eu ia desistir. Tinha calças e uma casaca de cabedal pretas, capacete a condizer e viseira para baixo, é claro, para que ninguém, inclusive eu, tivesse sequer um vislumbre a sua identidade. Contudo, sentia o conhecia muito bem. E alívio e felicidade invadiam-me. Arregaçava mais uma vez o vestido farfalhudo, subia para a mota a sorrir, e ele arrancava furiosamente. E, depois, acordava. Os sonhos, estranhos e difusos, parecem-se muitas vezes com o enredo de um romance corriqueiro, mas que entretém muitíssimo. Nem sempre tudo nos parece realista, porque é floreado, como quando contamos algo íntimo aos amigos. E é como nos sonhos, em que vemos o necessário, e não o sórdido, suficiente para acompanhar os acontecimentos. Nos romances, por norma, há uma protagonista, que é sempre de um bonito médio- -alto. Não sendo uma supermodelo, é daquelas mulheres que prende. É inteligente, confiante, maquilha-se e veste-se com bom gosto. E terá a predilecção por alguma marca ou coisa cara, que não pode ter sempre, porque não é milionária. Não passa fome, mas às vezes tem que apertar o cinto. Está rodeada de amigas e amigos fiéis, que são igualmente interessantes, só que nunca ao mesmo nível. E depois, há o co-protagonista romântico, que é lindo de morrer, deixando tudo louco só por existir. E, por seu lado, é podre de rico. E sexy, educado, bem formado. E os seus abdominais perfeitamente definidos contorcem-se de amor sincero, vá-se lá saber porquê, pela miúda mediana, quando podia ter todas as que quisesse. Mas, aparentemente perfeito, tem lá um defeito irreconciliável ou um terrível segredo, com o qual é preciso lidar e sofrer. Talvez os romances sejam inspirados em sonhos, assim como o meu. Para mim, faz sentido. É que não acho que a vida seja assim, como nos livros. E, com pena, também nunca fui a um enlace em que a noiva fugisse.