Que mal tem?
Esta vai ser, provavelmente, a pergunta que mais se irá ouvir, nos próximos tempos.
Nenhum. Provável e aparentemente nenhum, mas é proibido.
E bem.
Porque neste regresso do confinamento não podemos fazer uma análise casuística mas sempre grupais ou universais. Não há risco nenhum em que alguém esteja deitado na areia da praia a tomar banhos de sol. Mas o direito individual, devendo ser universal, perde-se por causa dessa característica, globalizante. Uma pessoa a banhos, não representa qualquer ameaça, mas milhares delas, sim.
Tal como acontece em tantas outras atividades da nossa vida. Sempre que as consequências de um ato são desproporcionadas, a precaução tem de compensar essa desproporção. O exemplo mais claro, frequente e generalizado é o do seguro automóvel. Para causar um grande dano não é necessária uma ação continuada, esforçada e musculada. Nada disso. Basta um pequeno descuido. Por isso a compensação tem de vir da extensão. Visto à lupa e de forma isolada, provavelmente não há razão para forçar a maioria dos condutores ao pagamento obrigatório da sua prestação anual. Mas a análise global da sinistralidade, não a dispensa.
O mesmo se passa com o uso obrigatório de capacete de proteção, quando aos comandos de um motociclo. Não é só a análise casuística como o próprio histórico, demonstram poder ser dispensável o seu uso. Nada de grave acontece numa pequena viagem, nenhum risco concreto se incorre na esmagadora maioria das restantes. Foi, contudo, a enorme quantidade de acidentes de consequências muito graves que impuseram essa medida de segurança. O gesto de colocar o capacete, desde que generalizado, poupa muitas vidas mesmo quando não seja possível ou evidente vislumbrar, como, antecipadamente.
Como alguém que me é próximo alertou, recentemente, o vírus não foi embora nem o risco de contaminação desapareceu. O achatamento da curva garantiu-nos “apenas” mais camas disponíveis nos Cuidados Intensivos. Não serei tão dramático. É realista reconhecer que há hoje outras medidas que diminuem a possibilidade de contágio... desde que não se baixe a guarda. É bom ter presente que a máscara de uso generalizado não garante a imunidade... aumenta a proteção, o que não sendo tudo, não é pouco, nem de somenos.
Vamos ter de conviver com o risco de infeção, que é real e permanente, independentemente do achatamento da curva e da dimensão do famoso R. Este risco nunca é zero, porque seria impossível viver com cada um de nós dentro de uma bolha assética e isolada. O nosso papel é minimizá-lo. E, em cada gesto, em cada ação não podemos questionar a sua consequência direta para nós mas julgá-la, com base em dois critérios:
- Contribui para diminuir ou aumentar o risco?
- Mesmo que o meu gesto e atitude seja aceitável, sê-lo-á, igualmente se repetido por milhares de cidadãos.
Nota final. É verdade que a vida moderna já não dispensa as viagens aéreas e todos nós ansiamos pelo seu regresso nas condições a que nos habituámos. Mas a diminuição das exigências de distanciamento num ambiente confinado e de convivência próxima, durante várias horas não é uma boa medida e muito menos um exemplo para outros processos de desconfinamento igualmente sedentos de regresso à normalidade.