Lições da pandemia

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Seg, 13/04/2020 - 19:52


A cada novo dia os sinais de alívio diluem-se rapidamente numa torrente de novas angústias, incertezas, perigos afinal desconhecidos, ameaças de segundas, terceiras ou quartas vagas, ao mesmo tempo que se anunciam decisões de progressiva retoma da economia, que sem pão estará tudo a ralhar, mas ninguém com razão.
Nota-se cada vez mais que a pandemia não foi encarada, a nível mundial, com a necessária atenção, havendo mesmo tendência para desvalorizar o fenómeno. A própria China terá tido responsabilidades, eventualmente manipulando a informação como, aliás, é habitual em regimes políticos autocráticos, ainda por cima com o peso económico e geoestratégico que ali se atingiu.
Mais inquietante é que, nas últimas décadas, da globalização triunfante, o comodismo europeu e ocidental em geral foi permitindo que actividades básicas, agora reconhecidas de necessidade imediata, foram deslocalizadas por empreendedores de sucesso para aquelas paragens, chegando-se à situação de simples máscaras, zaragatoas, viseiras de plástico, protecções para médicos, enfermeiros e auxiliares terem que ser importadas precisamente da China, onde o mercado afinal funciona segundo as velhas leis da natureza, sem lugar para honra e dignidade.
Como se não bastasse, o potencial fornecedor está, ele próprio, com dificuldades de responder às solicitações, já que viveu um tempo de inactividade prolongada em muitos dos seus centros de produção.
Instalou-se então um rosário de anúncios de aquisição de equipamentos para amanhã, seguido de lamentações por causa de atrasos, de desvios, de roubos descarados, o que só ajuda a regar as ervas daninhas do descrédito e da dúvida insidiosa, abrindo as portas a todas irracionalidades.
A saga das máscaras também vai contribuindo para a desorientação. Finalmente serão, pelos vistos, obrigatórias em locais fechados. Mas não as há. Voluntarismos que merecem aplauso estão a ajudar.
Alguns vêm dizer às gentes que as podem fazer em casa, sem perceber que nas sociedades actuais, urbanizadas, habituadas a dispor de uma multiplicidade de serviços, na maior parte dos casos as famílias não estão equipadas com instrumentos básicos que eram característicos há meio século, como seria o caso de máquinas de costura e, principalmente, ter aprendido a trabalhar com elas, o que torna ridícula tal sugestão.  Ver-se-á, nos próximos dias, se os cidadãos poderão adquiri-las ou se, mais uma vez, o caos lançará enigmático sorriso sobre o horizonte da nossa melancolia.
Tendo em conta a informação possível parece que o país está a conseguir, apesar de tudo, resultados melhores do que outros parceiros de caminhada nesta Europa que não mostrou ser capaz do que dela se esperaria: organização, solidariedade, estratégia concertada e investimento suficiente.
Assim, a pretensão de que neste extremo da Eurásia se atingiram níveis civilizacionais exemplares e de que o mundo só ganharia em pôr os olhos em nós, aparece como expressão de soberba enfatuada, que nos devia reconduzir ao remorso e à reflexão séria sobre as responsabilidades que nos cabem antes, durante e depois desta tragédia.

Teófilo Vaz