O notável coleccionador de êxitos literários, numa época de enormes taxas de analfabetismo, que foi o escritor Alexandre Dumas (e de outras asseguravam as boas línguas) autor de os Três Mosqueteiro entre muitos mais geradores de grandes vendas sem recorrer a encómios, muito menos a acepipes laudatórios da Confraria do umbigo, teve arte e engenho para parir um bem fundamentado Dicionário dedicado às artes culinárias e gastronomia recheado de gravuras explicativas e de caricaturas de bom gosto. O romancista se voltasse até nós e visse o modo como aprendizes de feiticeiros concebem dicionários nesta área seria acometido por uma apoplexia fulminante, fulminando-se de imediato.
O autor de Vinte Anos Depois dedicou palavras de enorme apreço, elogiando-lhe uma faceta pouco desenvolvida entre nós, porque o odoroso e custoso produto farejado dado o superior olfacto do reco é pouco conhecido entre nós seja a nível da venda, seja na sua apreciação em volta da mesa, ou no decurso de delicada merenda campestre, certamente, o leitor já entendeu estar a referir-me às cobiçadas trufas, às vezes menorizadas pelos chefes distraídos de restaurantes da moda elogiados a tuba e caixa por críticos especialistas no jargão, falhos no conteúdo do analisado, provado e degustado. O tó (diminutivo de larego adulto) tem a ingrata tarefa de farejar as preciosas trufas e não as chega a apreciar, os caçadores afastam-no até de forma violenta pois a pérola negra é vendida a preços astronómicos aos nababos degustadores.
Os egípcios consideravam o porco animal nojento, se por acaso fossem tocados, mesmo de raspão, corriam a purificar-se, este preceito séculos mais tarde influenciou o famoso médico judeu Moisés Maimónides no sentido de acusar os suínos de hábitos nefandos quando esfaimados, esquecendo outras espécies do mesmo sentido de sobrevivência, se a falta de alimento os atenazar da mesma maneira, caso dos cães.
Os romanos elevaram o benfazejo animal à condição de iguaria das iguarias, preparavam-no de múltiplas formas, uma consistia em assá-los de um lado e cozinhá-los de outro, o grande historiador de «cousas» e modos de comer na Antiguidade, Ateneu, refere um cozinheiro especialista em preparar leitões sem os estripar fazendo-lhe um furo nos pernis, lavando-os cuidadosamente, recheando-os pela boca induzindo-lhe vinhos de alta qualidade, cozinheiros elaboravam recheios à base de figos, papa-figos, ostras e tordos, aspergidos com os melhores vinhos. A profusão de recheios de enorme espavento e custo levou o Senado a aprovar uma lei a proibir o excesso de gastos.
O grande aliado das Mestras cozinheiras de antanho povoa a história da alimentação da Europa, do Oriente Antigo, de África, Ásia e Oceânia, da América a partir das viagens iniciadas pelos portugueses e espanhóis, por isso mesmo os receituários lhe dedicam tantas receitas, no entanto, por cá, sim, em Portugal o afunilamento é quase totalitário, o leitão assado o modo da Bairrada triunfou em toda a linha, mercê de factores que já expliquei minuciosamente em artigos e trabalhos científicos. A Bairrada é a região do País que mais depende economicamente do leitoninho. Porque estamos em vésperas de Feira do Fumeiro mais antiga pós 25 de Abril, a de Vinhais, permito-me trazer à liça a receita de leitão ao modo de Vinhais. Atrevo-me a sugerir o registo da mesma a fim de ser certificada, preservada e promovida na categoria de receita emblemática da Terra Fria com explanação das suas singularidades, antes que um qualquer Lelo licenciado ou não faça o registo na esteira do sucedido há poucos anos com doces flavienses, isto só para citar um roubo de paternidade semelhante.
À Engenheira Carla Alves e à Dra. Alexandrina Fernandes também amigas do sápido Farrôpo peço o favor de apreciarem a sugestão. No próximo dia 8 de Fevereiro espero em Vinhais espero apreciar as representações culturais da entranhas porcinas.
PS. Nesta crónica deixei no gavetão da memória os pontos culturais centrados no generoso abastecedor das despensas.