Conversávamos despretenciosamente um com o outro, ele dizendo que nem por isso e eu teimando que seria demasiado. Levantámo-nos e iniciámos uma marcha lenta onde a conversa continuou sobre o mesmo tema. Ele na sua e eu na minha, sem desviarmos a certeza inicial que cada um tinha sobre o tema versado. Caminhámos sem destino pelo passeio que a cada passo se estreitava e causava os incómodos de pisar o alcatrão onde os automóveis passavam sem a preocupação de distinguir se a passadeira existia por ali ou não. Apesar de tudo, o assunto em debate continuava a ser o mesmo. O meu amigo fazia valer as suas visões sobre o que se passava e eu contrapunha com as minhas. Nenhum desmarcava. Passou talvez mais de uma hora. Resolvemos parar e sentarmo-nos novamente ocupando uma mesa de esplanada que recebia o Sol do fim de tarde. Era tempo para um café, ou talvez não.
Retomámos o assunto em debate depois de saborearmos o apetitoso e bem cheiroso café. Agora, reconfortados, talvez pudéssemos desviar o assunto para margens mais calmas. Não. O meu amigo não estava satisfeito com a minha posição e tentou convencer-me de que tinha toda a razão. Eu achava que não e tinha o meu direito de o defender. Teimava eu convictamente que o novo governo era demasiado grande para um país tão pequeno e ele continuou a rebater o contrário, aduzindo que a necessidade assim o impunha. Mas que necessidade? Pedi-lhe que me dissesse que necessidade impunha a um país como o nosso, um governo com tantos ministérios. Ele adiantou uns poucos, sem coerência política o que me facilitou a contradição imediata que ele continuou a não aceitar. Continuámos o debate.
Afinal, que não quer galinha gorda por pouco dinheiro, questionei. Todos, respondeu ele. Finalmente tínhamos chegado a um consenso. Claro que sim. Mas era um consenso que não servia para explicar o que estava em debate e me permitiu rebater. Então o que temos no governo é uma galinha gorda, mas por muito dinheiro, ou não será? Ele apressou-se a responder que não, que isso nada tinha a ver com o governo, que era só um modo de falar. Pois é. Falar, falar é o que todos fazem, disse eu. Este governo é uma galinha gorda, primeiro ponto. Ele pediu que eu justificasse e aduzi o facto dos dezanove ministérios e quase cinquenta secretarias de estado. Não gostou, nem ficou satisfeito. Sentiu-se incomodado. Aproveitei para reforçar a ideia das cinquenta secretarias de estado e questionei que razão justificava a existência de uma secretaria para o Cinema, Audiovisual e Média ou para a Internacionalização ou até para a Integração e para as Migrações se, no fundo, isto já estava atribuído a outros serviços e funcionavam adequadamente. É uma necessidade, respondeu. Assim funciona tudo melhor. Pois, se calhar não, respondi, mas mesmo que fosse mais funcional era com toda a certeza mais caro, muito mais caro. Continuei com a minha visão mais minimalista e pedi para me justificar a razão de uma secretaria para a Transição Digital. Transição Digital? O que é isto? Não me soube dizer. Talvez a necessidade de engordar a galinha, disse eu. Olhou-me de soslaio e o esgar do rosto disse tudo o que ele pensava.
O tempo ia passando sem nos apercebermos. Contudo o tema de conversa continuava o mesmo. Ele defendendo a sua dama e eu a minha. Os dois aduzíamos razões plausíveis que sustentavam minimamente as nossas visões egocêntricas. Talvez fosse uma questão de cidadania e igualdade, tal como a nova secretaria de estado à qual eu não achava graça nenhuma por não lhe encontrar justificação. Afinal todos somos cidadãos e a igualdade já é assim considerada desde a Grécia antiga e reforçada ao longo dos séculos e foi uma das causas das revoluções liberais mais recentemente. Refutou a minha justificação, mas não acrescentou mais nada. No intervalo em que ele nada disse, eu chamei-lhe a atenção para o facto da existência da secretaria para o Desenvolvimento Regional e outra para a Valorização do Interior. Então não chegava uma só? É uma necessidade e é mais funcional, retorquiu. Não, não é. Se queremos desenvolver e valorizar o interior ao mesmo tempo que as regiões, não é preciso duplicar, a não ser para engordar a galinha. E ainda acrescentar outra para a Descentralização e Administração Local, piora tudo. Assim é quase triplicar o mesmo serviço. Não é, respondeu ele. E eu que sim e ele que não. Mas afinal o interior não é sempre interior? A região não é sempre a região? Então a administração local não é na região? Na região não está o objetivo do desenvolvimento? Então para quê a descentralização se o interesse é desenvolver o interior e as regiões? Não conseguiu responder. Baralhou-se. Então? Não dizes nada, perguntei. Esta conversa não leva a lado nenhum, disse. Pois não, concordei. Afinal sempre tenho razão, disse eu. Isto não é mais do que uma galinha gorda, mas por muito dinheiro. Mais do que o que temos para o que mais necessitamos. Galinhas destas, ninguém compra.