Os rostos das pessoas, como as folhas das árvores, começam a ficar mais manchados, pálidos e tristes. É o verão e o sol que nos estão a fugir. Que fizemos nós, que travessias fizemos nós neste verão e que desejávamos tão impacientemente? Há poucas semanas atrás, esperávamos ardentemente o tempo do calor e do descanso. Desejávamos o sol. Espreitávamos os sinais do verão. Ora, muitas vezes faltam-nos os sinais, pensamos nós. Os sinais que confortariam os nossos desejos, que reparariam os nossos erros, que preencheriam as nossas necessidades ou que viriam apaziguar as nossas preocupações. Acabámos por deixar de ver os sinais que entrevíamos impacientemente e por confundi-los mesmo com o objeto dos nossos desejos. Não é o verão que nós esperávamos mas tão somente a excitação das nossas angústias, das nossas dúvidas e insatisfações.
Há uma estranha e breve parábola no evangelho, a dita da figueira, que faz parte duma série de parábolas extremamente fortes sobre a iminência do fim dos tempos. Jesus confiará aos seus apóstolos: “A minha alma está profundamente triste até a morte” (S. Marcos 14, 34).
Qual é o objeto da nossa espera? Qual é o significado da nossa impaciência na descoberta das provas daquilo que esperávamos ver realizado? “Aprendei, pois, a parábola da figueira: quando já o seu ramo se torna tenro, e brotam folhas, bem sabeis que já está próximo o verão” (S. Marcos 13, 28). Na realidade, o sentido que parece emergir é que temos à frente dos olhos os sinais que tanto receamos não ver. E é para nos perguntarmos se não tememos mais ainda a identificação dos nossos próprios desejos.
Alguns rebentos, algumas folhas novas. O verão aparece com toda a sua esperança. Mas nós preocupamo-nos em saber, em compreender… Ora o resultado não será o que nós esperamos. A nossa inquietação não deve ser o conhecimento do que vem, quando e como, mas sim acolher o que vem. Preferiria dizer que há duas naturezas de conhecimento, um que não passaria da impaciência de saber e que viria preencher uma necessidade qualquer, dissipar um segredo ou um mistério, e a outra que consistiria em acolher em nós precisamente o que não conhecemos, o que esperamos mas sem querer forçosamente retirar-lhe o mistério, a parte de sorte ou azar. Nem que para isso seja preciso atravessar “esta profunda tristeza”.
Vemos por nós-mesmos que o tema da nossa espera foge aos sinais visíveis e previsíveis. Queremos a toda a força verificar os sinais das nossas expetativas, tendo-os diante dos nossos olhos e que de certa forma vemos sem ver.
Oh meus amigos, devemos agir com aquilo que muitas vezes não compreendemos, com aquilo que nos foge. E devemos talvez aprender a resistir ao querer “saber tudo”. O que não significa cultivar a ignorância ou o segredo, mas mais autenticamente viver com uma parte de desconhecimento das coisas, sem a qual nenhuma procura, nenhum desejo seria digno de interesse. Muitas vezes, a nossa espera por sinais e significações é tal que a mesma faz obstáculo em nós ao que surge, ao que é novo. Como a nossa paixão insaciável pelas origens.
Pelos vistos mais de oito milhões de pessoas pelo mundo já testaram o seu ADN, para ter a confirmação das suas origens, interrogar um segredo de família, prever uma doença… de que verão desaparecido para sempre somos nós feitos? Lembro-me duma Torre Eiffel dentro duma bola em vidro cheia de partículas brancas que parti em pedaços quando era criança, querendo desvendar e compreender o acontecimento, como era feita. Percebo só agora que as nossas vidas não passam destes pequenos objetos que se partem quando queremos compreendê-los e saber como é que são feitos.
As nossas vidas não passam da montagem destes pequenos pedaços em aparência tão frágeis, tão íntimos, e destes momentos esperados, desejados, em que convocamos e contamos um por um certos fenómenos que não são mais do que as nossas interrogações e hesitações perante o que nos acontece ou que nos foge, e que desaparecem com o tempo e o vazio das coisas como dos seres, sem nunca ter a certeza das convenções para os suster e exprimir claramente. É verdade, o verão fugiu-nos mas algo se passou. E ainda não temos forçosamente o conhecimento disso. E espreitamos novamente os sinais. Continuamos a caminhar sobre os pedaços de vidro dos nossos segredos e das nossas esperanças.