Ainda recentemente foi-me enviado o Relatório sobre Racismo, Xenofobia e Discriminação Étnico-Racial em Portugal elaborado no âmbito da Subcomissão para a Igualdade e Não Discriminação, tendo como relatora a deputada Catarina Marcelino. O documento de cento e quarenta páginas resulta da atenção que o Partido Socialista pretendeu dar a assuntos, melhor, factos sociais ocorridos nos dois últimos anos e que colocaram na agenda política a questão do racismo e discriminação. O espancamento de uma colombiana impedida de entrar num autocarro no Porto, o caso da Urban Beach são referenciados a título exemplificativo.
Face às e evidencias, o PS, e bem, apresentou em 26 de setembro de 2018 um requerimento, aprovado por unanimidade na 1.ª Comissão Parlamentar – Assuntos Constitucionais Direitos, Liberdades e Garantias, que visava a execução de um conjunto de iniciativas (audições, visitas,…) que permitiu a elaboração do relatório e o contato mais próximo com estas realidades. Sendo o fenómeno complexo, as audições públicas incidiram em seis áreas consideradas significativas para a análise do objeto em questão, sendo que, a cada um dos participantes foi pedido que refletissem e evidenciassem apenas um dos domínios: participação política, justiça e segurança, educação, habitação, emprego e saúde.
O documento metodologicamente irrepreensível, cientificamente bem fundamentado e conceptualmente aceitável, apoiando-se num vasto leque de argumentos está longe de poder ser considerado o instrumento de trabalho ideal ou, pelo menos, o repositório de verdades incontestáveis. Desde logo pelas limitações que o próprio objeto coloca não permitindo abarcar a realidade no seu todo pelo que plasma a percepção de quem observa. De seguida, porque foi incapaz de ir mais além relativamente a estudos anteriores. Após uma primeira leitura, fica-se com a ideia de que os implicados basearam as suas intervenções em estereótipos que se perpetuam, não havendo nada de novo em qualquer das áreas, nem mesmo quando se refere ao “aumento do discurso do ódio em Portugal” em linha com o que se verifica em toda a europa (pg.20). Este discurso esteve sempre presente e de tal forma que faz parte daquilo que passarei a designar de “subcultura nacional” refletida em inúmeras expressões xenófobas e racistas cada vez menos mais em desuso. O que muda é, essencialmente, a forma como se dissemina e o tempo que demora a propagar-se a reboque das redes sociais e da celeridade com que circula a informação.
O mesmo se aplica quando o domínio é a educação à qual, em meu entender é dado um peso excessivo relativamente às outras áreas. É sobejamente conhecida a realidade das minorias e dos imigrantes – são eles que frequentam os percursos ditos alternativos ou as vias profissionalizantes e também são estes que mais reprovam no segundo e terceiro ciclos, sendo um número residual de jovens ciganos ou afros que frequentam o ensino secundário. Neste item perpassa a ideia de que o sistema até é eficiente e responde de forma igual para todos, o que falha são os recursos no terreno, sobretudo os humanos, que formatados numa determinada visão das coisas, são incapazes de promover os jovens destas comunidades. Ou seja, implicitamente dá-se a entender de que a culpa do insucesso é dos professores e das estruturas locais que continuam a discriminar. Mais longe foi o secretário de estado da educação, João Costa, quando, em Bragança, no dia 6 de setembro de 2018, disse, no estilo que o carateriza, que os alunos ciganos são mais inteligentes que os outros, pois aos primeiros, os professores nem sequer exigem que assistam a metade das aulas para aprovarem, enquanto que, aos outros, se obriga ao cumprimento integral da carga horária. Efetivamente, as variáveis para a promoção do sucesso educativo são muitas e destas não se pode dissociar a habitação e as expectativas familiares e sociais. Decerto não serão mais estudos sobre o etnocentrismo ou a discriminação em meio escolar que irão resolver a questão das reprovações, enquanto estes alunos não tiverem um espaço onde possam tomar banho, uma mesa para estudar e uma cama para dormir.
Também não me parece que seja a sensibilização dos partidos políticos para integrar minorias étnico-raciais nas suas listas que vai alterar este quadro quando há todo um trabalho prévio que continua por fazer. Pondo de lado o “politicamente correto” fica-se com a ideia de que o relatório mais se assemelha a um libelo que incrimina a sociedade civil pelas práticas racistas e xenófobas e iliba o poder político e institucional (sobretudo autarquias) daquilo que nesta matéria vai prevalecendo. É que mesmo para quem faz a sua vida à custa de minorias é mais fácil fazer congressos e escrever textos do que catar piolhos e cheirar misérias.
Racistas e xenófobos
Raúl Gomes