Em Novembro do ano passado a Editora Gradiva apresentou ao público o estudo histórico A Revolução Possível da autoria do investigador e professor catedrático Fernando Pereira Marques, meu velho (os anos vão passando sobre os dois) e querido amigo. Estamos prestes a lembrar a Revolução de Abril, por isso mesmo entendi sublinhar a profunda importância do ocorrido no dia 25 de Abril de 1974, trazendo em meu socorro o livro do Fernando porque nele se espelham os disparates, os desastres, os dislates de fardados de civis cometidos no âmbito militar cometidos desde 1910 a 1926, os quais com o péssimo concurso da GNR foram o ovo (recordo o génio de Ingmar Bergman) do salazarismo e do caetanismo durante quarenta e oito anos até ao alvorecer do Dia cuja palavra de ordem foram três DDD, Democratizar, Descolonizar e Desenvolver.
O autor para lá da bagagem intelectual que possui tem a dupla experiência de combatente pela liberdade e a de preso político durante largo tempo após ser alvo de tortura e isolamento. Militante amigo de pensar e inimigo de todas as espécies de totalitarismo, por isso pegou em armas sofrendo as consequências repressivas em vigor.
Durante a vigência da I República o emaranhado partidário possibilitou toda a espécie de conluios, negociatas e escândalos económicos alavancados pela finança como bem o demonstra Pereira Marques, tudo somado a visões egoístas da sociedade jugularam o regime democrático contribuindo decisivamente para o estrangulamento da liberdade de expressão de pensamento, o refinamento da acção da polícia política, acrescida da repressão continuada e ilimitada mercê da temível lei da segurança saída da pena de um governante bragançano. Se alguém tiver dúvidas consulte os documentos legislativos da época.
Ora, em 2019, nem de perto, nem de longe é passível a comparação entre tão tenebroso passado e o presente, porém parece-me oportuno reflectirmos sobre as moléstias de agora capazes fazerem perigar a saudável Democracia pluralista e plena. Em ano de eleições europeias não ouço, nem vejo motivações capazes de suscitarem a atenção dos eleitores relativamente ao voraz bicho-carpinteiro a corroer instituições da Comunidade, não ouço os candidatos a debaterem os enormes problemas derivados das migrações, da insegurança, dos conflitos regionais e a preocupante epidemia do nacionalismo mais os movimentos estilo jalecos amarelos. Dá que pensar!
Pensemos na ameaça de fragmentação da Espanha, pensemos no aumento da pulsão securitária derivada da ameaça terrorista, pensemos na pulverização do outro lado do Mediterrâneo (Argélia, Líbia, Síria, Tunísia), pensemos nas agressões diárias contra a cultura Ocidental. Muito que pensar e não estou para isso dirá o leitor, então faça o favor de pensar na terrível crise demográfica (os meninos pelo feitio não ficam caros), na proliferação da iliteracia literária e consequente aumento da linguagem de solavancos muito digitalizada nos telemóveis, no envelhecimento da população e o seu consequente sofrimento e angústias derivadas da doença, isolamento e segurança. Verificará o leitor quão distraídos andam os candidatos caso pense no acima expendido.
A Revolução Possível levou-me a tentar perceber o desgosto de homens do calibre de António Sérgio, Jaime Cortesão e José Rodrigues Miguéis entre outros, eles hoje tão esquecidos também sofreram vexames e o exílio pois não se limitavam a serem do «reviralho» agiam, agiram sempre apesar de avançados na idade porque a sua consciência cívica não era de verbo-de-encher.
Estamos a dois dias da rememoração da feliz efeméride, vamos ter as festas do costume, os discursos do costume, o gastar o dia dentro do usual costume. Discutir e analisar o passado democrático e a Ditadura, explicar o pensamento dos combatentes contra a ortodoxia de um qualquer ismo dá imensa fadiga, desgaste mental e no tocante à militância política os exemplos recentes e mais tardios são maus demais para ser verdade. De qualquer modo a democracia apesar dos seus defeitos é o melhor dos sistemas de governação.
Hossanas e louvores ao 25 de Abril. Sempre!