As vontades são sempre de quem as tem e nunca de quem as quer resolver. É o que aconteceu com a manifestação dos professores neste fim-de-semana em Lisboa.
O Terreiro do Paço quase encheu com cerca de oitenta mil professores de todo o país que se juntaram para exigir ao governo o cumprimento do que está legislado. É uma luta de vontades. A que têm os professores e a que tem o governo. Uns querem, outros nem por isso. É só uma questão economicista, o que não é de somenos convenhamos. Mas isso não justifica a atitude de irreverência com que o governo se apresenta nas supostas negociações, onde nada se negoceia.
Muitos meses depois do início destas negociações entre o governo e a plataforma sindical, tudo permanece na mesma, o que equivale a dizer que nem o governo adiantou qualquer solução, nem a plataforma conseguiu algum acordo de princípio. Simplesmente nada.
Por mais vontade que a plataforma sindical tenha e por mais professores que consiga juntar e apresentar em manifestação, não consegue demover a vontade do governo que é só uma: não dar nenhum tempo de recuperação aos professores. As desculpas são sempre as mesmas e todos as conhecemos. Não adianta.
O Presidente da República perante a teimosia do governo, resolveu desatar o nó antes que fosse tarde e promulgar o decreto que recupera quase três anos dos quase dez perdidos. Nem todos ficaram contentes. Sindicatos e professores. Esta janela aberta por Marcelo, poderia ser uma lufada de ar para que as negociações adiantassem soluções num espaço de tempo aceitável, mas o governo nem isso quer aceitar. Não adianta qualquer possibilidade de resolução do problema. Vontade férrea de quem não tem soluções nem quer resolver coisa alguma.
A ex-secretária do PS Ana Benavente já avisou que o governo vai ter de pagar a fatura por esta falha enorme. Se nos lembrarmos bem, há onze anos, a greve dos professores desgastou o governo de Sócrates e contribuiu para o seu descalabro. O curioso de tudo isto é que passado tanto tempo ainda não se resolveu a questão dos professores. Como é possível?
As greves são armas de dois gumes. Cortam ou agradam em ambos os lados. Para o governo, podem ter interpretações variadas sendo uma delas, talvez agradável, que é o facto de poupar dinheiro já que não paga aos professores em greve os dias em que estas se realizam, com exceção dos fins-de-semana, claro. A outra, menos agradável, é que elas fazem mossa no governo e na opinião pública e pode ter um peso enorme em ano de eleição, como este. Que professor vai votar no governo que o está a prejudicar? Para os professores, as greves são um trunfo para mostrar o seu desagrado para com o governo, mas se este não paga os dias de greve, os professores saem sempre prejudicados. Fazer greve às avaliações, às aulas ou aos exames, não adianta. Perdem dinheiro e não conseguem nada. E não conseguem nada porque o governo pode decretar serviços mínimos e lá estão os professores obrigados a cumprir o que o governo pede. O que adiantam? Quase nada. O que fica é mera opinião pública e esta ferida de coerência já que muitos dos encarregados de educação não dão razão aos professores. Mas a questão é mais profunda do que isso. Eles não dão razão aos professores porque não podem ficar com os filhos em casa e não sabem o que fazer com eles. É que se estiverem na escola, estão arrumados e despreocupam-se durante o dia todo. Alguém trata deles! Quem? Os professores, claro. Vontades diferentes, mas relevantes. Presos por ter cão e presos por não ter.
Uma proposta da plataforma sindical apresentada no Terreiro do Paço para que o governo ouça bem, foi de greve ao arranque do ano letivo. É um momento crucial e pode ter um impacto enorme já que as eleições estão à porta e Costa vai ter de pensar muito bem se quer correr riscos desnecessários. Se conceder aos professores alguma recuperação de tempo de serviço e agendar a recuperação restante ao longo de mais dois ou três anos, ele ganha as eleições facilmente. Se não houver nenhum acordo, o risco é muito maior. Por um se ganha e por um se perde.
Outra proposta é greve geral a 23 de março. Será que vale a pena? Em tempo de Páscoa, as sensibilidades são outras e bem diferentes. Férias à porta e descanso à espreita, não são grandes motivações para quem agora acabou de se manifestar na capital sem aparente resultado. Mas água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Pode ser que o desgaste que sofreu Sócrates atinja agora Costa.
Pois perante tantas vontades antagónicas, não será fácil resolver o problema dos professores, mas mais do que isto é difícil resolver a questão da Educação em Portugal e isso é trabalho do governo, mas não de qualquer um. Terá de ser um governo com os pés assentes na terra e que saiba o que é ensinar para o futuro, com bases sustentáveis, com saber formado e adquirido, que permita aos jovens de hoje serem verdadeiros homens de amanhã. Não enganemos ninguém.