Ter, 29/01/2019 - 10:52
A política pode ser expressão de grandeza da condição humana, mas fica-se muitas vezes pelos níveis míseros do imediatismo vicioso, sem objectivos que não a manutenção no poder, numa vertigem de ilusões que fintam a lucidez, mesmo dos mais experientes, ou assim reconhecidos pelas comunidades.
Tais equívocos resultam do entendimento distorcido da nobre arte, facilmente confundida com a ductilidade de quem se move entre bastidores, com perícia fluida, impingindo meias soluções, escondendo omissões e chorando lágrimas de crocodilo sobre leite derramado.
A capacidade de adaptação só tem efeitos benéficos se for conduzida para atingir objectivos essenciais, porque, doutro modo ficaremos reduzidos às águas paradas, aparentemente tranquilas, mas a caminho dos pântanos onde a estagnação gera a peste mortífera mais cedo ou mais tarde.
A política não é a simples gestão do imediato porque, se o for, os protagonistas tendem a atolar-se em contradições eventualmente convenientes à sua manutenção no poder mas que conduzem ao descrédito, à apatia ou mesmo à raiva latente, porta aberta para o caos. Vale mais a clareza do que as meias tintas e é importante que haja a coragem e a frontalidade para descartar o absurdo.
Na última semana o país viveu episódios inadmissíveis de vandalismo à volta da capital, que alguns quiseram justificar com uma actuação da polícia num bairro de Setúbal, alegadamente identificável com atitudes racistas. Foi uma acção política, tacitamente apoiada por um partido que suporta o governo, talvez na mira de arregimentar mais umas centenas de votos. Agitar fantasmas até pode garantir proveitos eleitorais limitados, mas abre clivagens irracionais que não aproveitam a ninguém, muito menos a um país que tem feito um percurso de integração e promoção da igualdade como poucos.
A História é inapagável, mas não está no banco dos réus. A observação crítica não ilude, no que respeita a Portugal, a economia de plantação e a escravatura, a segregação institucionalizada, como também não esconde a servidão feudal de muitos séculos, sem relação com a cor da pele, modelo que só começou a ser abandonado há duzentos anos um pouco por todo o mundo.
A ponderação e a serenidade são fundamentais para a democracia. Se uma força da ordem é servida por elementos que não cumprem cabalmente a sua missão, o Estado deve intervir para corrigir os erros. Lançar achas para uma fogueira, não traz nada de bom para o futuro.
Por isso, é difícil de compreender que o próprio primeiro ministro se tenha permitido suscitar a questão da tonalidade da sua pele, quando foi legitimamente questionado sobre as medidas para conter um problema real de ordem pública.
Ministro, presidente da capital do país e agora primeiro ministro, ao lado da ministra da Justiça, uma respeitada magistrada de origem africana e dirigindo-se a um partido que tem o único deputado negro, desceu a um nível que não corresponde às suas responsabilidades, alardeando preconceitos impensáveis, porque este país não é para racistas, seja qual for a tonalidade da pele que lhes calhou na roda colorida da vida.
Teófilo Vaz