Está aí a minha mulher!

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Foi muito falada e comentada a recente crise no PSD e tudo o que aconteceu à sua volta, desde os bastidores, da (in)explicável ausência de meia-bancada do partido, numa sessão plenária na Assembleia da República, passando pela surreal discussão sobre normas regimentais cristalinamente expressas nos estatutos (com o único objetivo de desgastar uma oposição já fragilizada?), continuando com a reserva de lugares de assistência (ao expetáculo??) e terminando com a “vitória de todos”, epilogada por uma reconciliação histórica, depois das questionadas interferências presidenciais.

Os cestos foram rapidamente lavados e arrumados (acordado o gigante adormecido, resgatado o partido do coma dos últimos tempos) pois há novas vindimas no horizonte e estão todos de tesoura em punho e cesta no braço para, “com o máximo empenho, como só assim sabem fazer”, se embrenhar pelos valados, tentando encher o recipiente com uvas, se possível as mais acessíveis, maduras, saborosas e generosas. Com o objetivo único de encher a dorna até à borda e com mais conteúdo que a do concorrente, da vinha ao lado. O problema é que, sendo importante para todos, o nível com que a aduela se  apresentar ao final do dia, o mais importante para cada um é garantir o convite para a participação na colheita ou, se aí já não houver um dos disputados e limitados lugares, pelo menos um lugar na preparação do pio, na transfega do mosto ou tratamento do vinho. Por muito que batam no peito, que garantam que apenas o sucesso da safra os move, uma cuidada análise facilmente descobrirá, para lá das encenadas aparências, o verdadeiro motivo de tanta encenação, movimentação e preocupação, dificilmente vai para lá do lugarzinho e da promoção pessoal. É verdade que o êxito coletivo assume grande relevo e genuíno desígnio, para todos, principalmente porque com esse intento assegurado, serão maiores as probendas e em maior quantidade, melhorando as “merecidas” recompensas e aumentando a probabilidade de lhes cair uma no regaço.

Das notícias que antecederam e se sucederam ao último Conselho Nacional do PSD, pouco se soube das propostas concretas para solucionar os problemas que afligem os eleitores. Em vez disso soube-se, exaustivamente, em que condições se pode votar de braço no ar; quem apoia, apoiava ou sempre combateu o líder; quem pode ser descartado nas “inaceitável limpeza” que a direção atual estará a preparar-se para fazer nas listas candidatas às próximas eleições. Ah, também se soube que o Presidente da República não resistiu à tentação de intervir e, espante-se, não teve o cuidado de, dissimuladamente, o fazer de forma discreta e em segredo como alguns dos seus antecessores fizeram.

Lembro-me, a propósito, o espanto causado ao candidato à Presidência da Câmara que abordou um conterrâneo para o convidar a encabeçar a lista a apresentar à Junta de Freguesia, e ouviu deste:  “Que pena ter vindo só agora. Já me comprometi com o seu adversário! Já não posso aceitar o seu convite. Mas está aí a minha mulher que ainda não vai em lista nenhuma e está disponível. Pode ser ela a primeira da sua lista!”. Esta história só é insólita pela inusitada franqueza como este cidadão assumiu a sua principal motivação: trazer para a órbita familiar o controlo da presidência da Junta de Freguesia.

Concorde-se ou não com a intervenção de Marcelo na crise da oposição, existindo, é de louvar que tenha publicitado a reunião, a seu pedido, com Rui Rio e que Montenegro não tenha sido introduzido no Palácio de Belém, à socapa e por furtivas entradas laterais.

José Mário Leite