Recentemente, Emmanuel Macron anunciou a decisão inédita e marcante de devolver ao Benim uma coleção de bronzes, abusivamente retirados daquele país por militares gauleses no âmbito de uma expedição no final do século XIX. Na sequência desta declaração, assumiu estar disponível para promover uma conferência com o objetivo de analisar o futuro das obras retiradas dos seus locais de origem.
É, sem dúvida uma questão que vai revolucionar a forma como se olha e analisa esta questão. Espera-se que, acima de tudo, se estabeleçam regras justas e universalmente aceites. É verdade que a assunção desta norma vai, seguramente, causar um terramoto ideológico e, sobretudo, questionar o acervo de alguns museus de referência. Levada até às últimas consequências poderá fazer perigar a existência de alguns deles, ou, pelo menos, despromovê-los. Basta imaginar o que seria do Louvre despojado das suas melhores peças de escultura em mármore, de nacionalidade grega e romana, sem esquecer as pinturas “italianas” com relevo para a celebérrima Mona Lisa, para não falar da enorme e riquíssima coleção egípcia iniciada com o produto dos saques de Napoleão.
Receosos do terramoto que tal revolução poderá provocar, dirigentes culturais começam já a argumentar com a legitimidade inerente à posse de algumas das obras mais icónicas. E é aí que o debate tem de começar, embora não seja fácil, nem óbvia a respetiva definição. O roubo é, obviamente, um ato ilegítimo cuja reparação tem de, obviamente, contemplar a devolução do produto do furto. A pilhagem, na sequência de uma ação militar não pode deixar de ser considerada como roubo. Haverá, mesmo assim quem venha argumentar com os direitos adquiridos com o tempo de posse, uma espécie de usocapião artístico. Mas entre o roubo e a aquisição, a preço de mercado, de um produto artístico há uma enorme zona cinzenta que conviria aclarar e regulamentar. Mesmo que não seja fácil definir o justo preço de uma obra de arte, também não é impossível por recurso a leilões internacionais e análises comparativas. Uma “compra” a preço exageradamente baixo não deixa de ser uma usurpação “legalizada”.
Curiosa é a posição de José Leite de Vasconcelos que, pela mesma altura que os generais franceses se apoderavam de valiosíssimos bronzes africanos, se insurgia com a “venda” de um colar da idade do bronze encontrado nas imediações da capital e que era conhecida como a Xorca de Sintra, por um preço irrisorio ao Museu Britânico. Na sequência do precedente aberto por Paris, o Ministério da Cultura deveria reclamar junto do Governo de Sua Majestade a devolução da “mais fantástica obra pré-histórica achada em Portugal”. Mas, seguindo a mesma linha de pensamento e atuação, deveria tratar de devolver à Vilariça os célebres berrões encontrados pelo Abade de Carviçais e enviados para o Museu Etnológico criado e promovido por Leite de Vasconcelos a troco de pouco mais que as despesas de viagem.
Se na altura a “razão” da viagem de comboio (após transporte fluvial) até Lisboa foi justificada pela necessidade de os preservar e expôr, por falta do Museu Municipal de Arqueologia, esse motivo há muito que se extinguiu. O Museu do Ferro de Moncorvo pode acolher e guardar as peças referidas até que o moderno museu que perpetue a memória e o espólio do padre José Augusto Tavares seja erigido e colocado ao serviço da população.