As passagens de ano, mesmo se olhadas como simples mudanças de calendário e ainda que motivem estrondosos divertimentos, propiciam boas oportunidades de reflexão. Queiram fazer o favor de reflectir, pois então.
O leitmotiv fundamental da Humanidade foi, até hoje, a procura de um cabal entendimento do mundo e da vida, angústia que se projecta num Criador, inato, que os crentes pressentem que existe mas que os ateus categoricamente descartam e os agnósticos enjeitam por estenderem que tais fenómenos metafísicos não estão ao alcance da Razão.
Em qualquer caso é ambição inconfessa do homem converter-se um dia, por força da ciência ou do espírito… sabe-se lá… já não no dono da Terra mas no senhor do Universo, nesse Ente Todo-poderoso que, caso não exista, passará ele próprio a sê-lo.
Certo é que a Humanidade tem vindo a progredir pela positiva, empurrada por forças que lhe são estranhas ou puxada por algo que lhe é superior. Esta será, no entendimento de Teilhard de Chardin, a questão essencial.
Também se diz que só os místicos chegam a Deus por via da Iluminação, no silêncio contemplativo e com práticas piedosas. Já os cientistas, os empreendedores e sobretudo os políticos, esses, ao que consta, por mais que inovem, empreendam e governem nunca até hoje Lhe viram a face. Bem pelo contrário: amiúde soltam o diabo como a História sobejamente ilustra.
É esta já longa aventura que agora parece abeirar-se do paroxismo. A ciência, a tecnologia e a indústria todos os dias nos brindam com feitos retumbantes, mas a Humanidade, paradoxalmente, mais se afunda num pântano caótico sem precedentes, composto de guerras, misérias e crises sociais e ambientais incontroláveis que, na visão mais pessimista, poderão descambar na devastação total do planeta e no extermínio do próprio homem.
Em curso estará uma imparável catástrofe planetária, que não será apenas ambiental mas é sobretudo moral e humanitária. O homem de hoje anda, por isso, ensandecido, ao sabor das modas e das redes de comunicação sem que saiba quem verdadeiramente mexe os cordelinhos e com que propósitos. Cada dia se torna mais difícil distinguir a verdade da mentira e separar o bem do mal já que a verdade passou a ser tudo que em determinado momento se mostrar útil e o bem apenas aquilo que no imediato dá prazer, ainda que a prazo traga dor e miséria. Os vícios passam por virtudes e a violência é pão nosso de cada dia.
A emergente nova Humanidade será, por certo, amoral, amestrada, robotizada e dominada por ditadores sinistros que controlam tenebrosas máquinas de guerra ou manuseiam sub-reptícios tentáculos financeiros.
O ser humano deixou de ter na procura de Deus, arquétipo do Bem, a sua motivação principal e passou a promover o diabo por todos os meios e formas.
Entrámos definitivamente na era da Mundanidade, funesta deformação da Mundialização, sem que saibamos quando e como dela nos vamos libertar.
Resta-nos a esperança de que entre mortos e feridos alguém se há-de salvar.
Este texto não se conforma com o novo
Acordo Ortográfico.