Nós trasmontanos, sefarditas e marranos: Francisco Vaz Eminente (Vila Flor - Castela)

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O primeiro Francisco Vaz que nos aparece com o sobrenome de Eminente, era um mercador de Vila Flor, casado com Isabel Pereira, filha e neta de conhecidos rendeiros, moradores na mesma vila. Francisco era já falecido em 1620, segundo a informação de seu filho, o “Eminente Lopo Vaz”, que, em outubro daquele ano, foi preso pela inquisição.(1) Lopo, nascido por 1593, estava ainda solteiro, casando mais tarde com Genebra Alvim. Tinha 2 irmãos e 3 irmãs, todos casaram e parece que todos puseram o nome de Francisco ao filho primogénito. Depois que ganhou a liberdade, Lopo e a família meteram-se a caminho de Castela.
Em 1638, quando a inquisição fez nova investida em Vila Flor, as primeiras pessoas a ser presas foram 3 “Eminentas” – a mãe, Isabel Pereira, que contava a provecta idade de 84 anos e as filhas Eva Pereira e Genebra Henriques, aquela casada com Diogo Henriques e esta com Diogo da Mesquita Muñoz.(2)
Este tinha sido preso no ano anterior, quando passava a fronteira de Miranda do Douro com 13 cargas de linhos e lenços para vender em Castela, juntamente com seu irmão Pero da Mesquita Muñoz e o companheiro Francisco Vaz Faro. Também o pai de Diogo Muñoz se chamava Francisco Vaz, o Amarelo, de alcunha e tinha um tio materno do mesmo nome, médico de profissão, casado com Inês Vaz. Um filho deste tinha loja de mercador em Lisboa, onde foi preso em 14.5.1630.(3) Como se vê, em alguns casos, entra-se num verdadeiro labirinto quando se trata de fazer alguns genealógicos da gente da nação hebreia.
Já então a família de Diogo Henriques se encontrava a viver na cidade de Pastrana e a sua vida era a de mercadejar entre Portugal e Castela. Para andar mais à vontade entre os dois reinos, adotara o sobrenome Muñoz e trazia na carteira uma certidão médica dizendo que lhe fora cortada a pele do prepúcio, por motivos de doença. Ou seria para disfarçar e estaria mesmo circuncidado, como opinaram os médicos da inquisição de Coimbra?
A prisão das “Eminentas” deixou “a nação” de Vila Flor em clima de grande apreensão, de verdadeiro terror, como se depreende do testemunho de Manuel Alvarenga, em 25.4.1642:
— Disse que defronte dele mora Maria Henriques, cristã-nova, mulher de Diogo Henriques Julião, a qual esteve 2 ou 3 meses antes do auto-da-fé último que se celebrou em Coimbra, temendo-se que dessem nela as Eminentas, que lá estavam presa e não apareceu até que veio um neto do Eminente e lhe deu aviso e logo apareceu…(4)
Se as Eminentas e Diogo Muñoz voltaram a Vila Flor, o mesmo não aconteceu com Pero da Mesquita Muñoz, que foi queimado na fogueira do auto de 30.10.1638,(5) celebrado na praça da cidade de Coimbra.
Estes e outros acontecimentos, foram seguidos de dezenas de outras prisões e da fuga da maior parte dos cristãos-novos, (e muita gente da nobreza da terra, falsamente acusada de judaizar) de modo que, a partir de 1671, praticamente deixou de existir “a nação” de Vila Flor. Obviamente que a generalidade fugiu para Castela e dali se dispersou para os mais diversos destinos.
Pastrana era desde há duas décadas a terra de morada dos Munhóz (Henriques da Mesquita) fugidos de Vila Flor, sendo ali presos, em 1626, vários membros da família, conforme declarou Pero Munhóz, em janeiro de 1638, na inquisição de Coimbra:
— Haverá 10/11 que fora preso pela inquisição de Cuenca, onde esteve 4 meses e saiu livre e foi preso por uns mexericos de dar ajuda e haverem fugido uns presos pelo santo ofício; e naquela ocasião foram presos seu pai, seu irmão Manuel Henriques, seus tios Domingos Henriques e Diogo Henriques e a tia Águeda Correia, mulher de António Henriques seu tio.(6)
Em Castela se reencontraram e cruzaram por casamentos os Henriques com os Rodrigues da Mesquita e os Lopes da Mesquita, fugidos de Vila Flor e Torre de Moncorvo. Entre eles, Dinis Álvares, que casou com Genebra Henriques e seu irmão, Bernardo Lopes da Mesquita, casado com Ângela Henriques, irmã de Julião Vasques, dos Henriques de Torre de Moncorvo. Mark Schreiber,(7) um investigador alemão contou a história desse grupo familiar, consubstanciada na árvore genealógica enquadrada neste texto.
Menos estudadas e muito nebulosas se apresentam as origens de um homem, originário de Vila Flor, que ganhou celebridade em Castela, chamado Francisco Vaz Eminente. Seria certamente um dos muitos netos ou sobrinhos-netos de Francisco Vaz Eminente, falecido em Vila Flor antes de 1620. 
A informação mais concreta que temos é de Carmen Sanz dizendo que ele pertencia aos núcleos familiares dos Henriques e dos Pereira, de Vila Flor.(8)
Por 1630, Francisco Vaz aparece referido como mercador e, em 1651, terá arrematado no almoxarifado de Sevilha a cobrança dos impostos sobre os produtos que chegavam das Índias. Por 1653, casou com Violante del Ribero, de origem portuguesa, que lhe deu dois filhos: Tomás António e João Francisco.
Para além dos direitos do almoxarifado, arrendou o fornecimento de géneros aos militares da Armada Real da Andaluzia. Em 1663 conseguiu arrendar o almoxarifado maior de Andaluzia, o que significava o controlo de todos os produtos importados e exportados pelas alfândegas do maior porto de mar de toda a Espanha.
Começaram então os problemas com os grandes mercadores e com os embaixadores e cônsules das nações estrangeiras que se queixavam das excessivas prerrogativas que lhe eram concedidas e que atentavam contra a liberdade de comércio. Acabou por ser preso, acusado de abuso de poder, passando o almoxarifado de Sevilha a ser diretamente administrado pela Fazenda Real.
Foram dois anos desastrosos para a economia do País e para a Fazenda Real, pelo que, em 1667, Francisco Vaz foi reabilitado e voltou à gerência das alfândegas de Sevilha, ainda mais fortalecido. E foi nomeado para um posto de muito prestígio, o de “contador de honor del tribunal de contadoria”. 
A partir de 1680 a direção dos seus negócios passou para a responsabilidade do seu filho Tomás, enquanto ele rumou a Madrid. E porque ficara viúvo, casou em segundas núpcias, com D. Josefa Salazar, de uma influente família de cristãos-novos portugueses.
Na qualidade de “contador de honor” e manifestando toda a sua habilidade comercial, apresentou uma série de propostas de redução das tarifas alfandegárias sobre alguns produtos, de modo a estimular a atividade comercial, não apenas em Sevilha e nos portos marítimos, mas também nos portos secos de toda a Espanha. Esse conjunto de propostas aduaneiras é apresentado como o primeiro regimento de comércio internacional e passou à história sob a designação de “Convénio Eminente”. No essencial, vigorou nos portos de Espanha até finais do século seguinte.
A inquisição, porém, mostrava-se inimiga da liberdade, não apenas no campo da religião mas também vida social e na atividade comercial. Em 29 de dezembro de 1689, Francisco Vaz Eminente foi preso e seus bens sequestrados, acusado de ser judaizante. Com ele foi também preso o seu feitor e secretário, Bernardo da Paz y Castañeda, que faleceu no cárcere.(9)

 

Notas:
1 - Inq. Coimbra, pº 3799. A expressão “Eminente Lopo Vaz” consta de uma informação enviada para Coimbra pelo abade da matriz de Vila Flor, Manuel de Abreu.
2 - Idem, pº 1841, de Isabel Pereira; pº 2174, de Eva Pereira; pº 1843, de Genebra Henriques; pº 7067, de Diogo da Mesquita Muñoz, aliás.
3 - Inq. Lisboa, pº 9949, de Pero da Mesquita.
4 - Inq. Coimbra, pº 6102, de Branca Rodrigues.
5 - Idem, pº 5770, de Pero Henriques da Mesquita, aliás, Pero da Mesquita Muñoz.
6 - Idem.
7 - SCHREIBER, Markus– Marranen in Madrid 1600-1670, pp. 116-119, Franz Steiner Verlag Stuttgart. Inq. Lisboa, pº 5197, de Julião Vasques; pº 2268, de Francisco António Olivares, natural de Cáceres, filho de Manuel Rodrigues e Filipa Nunes, de Vila Flor.
8 - AYIÁN, Cármen Sanz – Los Banqueros de Carlos II, pp. 346-351, Universidad de Valladolid, Secretariado de Publicaciones, 1999. 
9 - ALMEIDA, A. A. Marques de – Dicionário Histórico dos Sefarditas Portugueses, Mercadores e Gente de Trato, pp. 246-47, ed. Cátedra de estudos Sefarditas de Alberto Benveniste, Campo da Comunicação, Lisboa, 2009.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães