Seg, 24/12/2018 - 11:56
Calha este ano que a edição próxima do solstício de Dezembro sai no próprio dia de Natal, adaptação cristã de celebrações que, pelo menos desde o Paleolítico Superior, são observáveis entre os humanos, na sua relação com o pulsar da natureza, resultante da percepção que lhes era possível dos ritmos cósmicos.
Dificilmente se encontrará tema tantas vezes objecto de reflexão, de doutrina, de propaganda, de entusiasmo com pretensas conquistas da humanidade, mas também de lamento, de desilusão, mesmo de amargura.
A história do Natal é inspiradora, os valores celebrados conhecem rara contestação, nem sequer ironia e são reiterados em cada ano, apesar da sensação de que pouco têm valido à vida real de gerações infindas, que continuam a passar sem esperança por este mundo.
Mas, se relembrarmos a narrativa, construída, reconstruída e interpretada ao sabor de cada tempo e das suas agruras, verificamos que, apesar da romagem à gruta, depois estábulo, dos pastores pobres e de ricos reis com ouros e pedrarias, um poder dito ilegítimo, injusto e enraivecido por anunciadas mudanças, não esteve com meias medidas e mandou cortar cerce qualquer possibilidade de renovação.
O nome de Herodes arrepiou milhões de criancinhas, mas é para mulheres e homens feitos que continua a ser a expressão de quantos preferem um mundo sem ilusões, nem utopias, embora ele não passasse de um rei menor num protectorado da grande Roma imperial, que viria a tornar-se a emblemática capital dos que partilhamos o que reclamamos ser o verdadeiro sentido do Natal.
Falamos sempre da nova era então iniciada, do caminho para um mundo de amor, compaixão e misericórdia, até às portas da eterna felicidade, mas, século sobre século, apesar das aparências, continuamos condenados a viver num advento sem fim, tornando o Natal uma miragem que nos anima, mas nos faz perder numa existência resignada ao infortúnio da injustiça, da miséria, da violência, da morte e da iniquidade.
Nestes tempos vamos conhecendo outros Herodes, talvez mais sanguinários e selváticos que o original, impiedosos na sua sanha assassina, para espanto dos que quiseram acreditar que o tempo haveria de mudar a condição humana. Afinal, estamos de volta à soberba e à inveja de Caim, disposto a matar sem remorso.
Num mundo cada vez mais perigoso, temos em lugares de decisão verdadeiros sacanas, como aconteceu há menos de um século. Então, viveu-se um conflito mundial que deixou um rasto de destruição nunca visto, mas não serviu de lição. Por outro lado confrontamo-nos com a cobardia da dissimulação e com emboscadas traiçoeiras que espalham a morte. Curiosamente, os assassinos já escolheram, várias vezes, para o festim diabólico, iniciativas que celebram o Natal, deixando claro que estão dispostos a varrê-lo do planeta.
Perante isto, restam dois caminhos: Desistir e deixar-nos levar pela animalidade selvática ou enfrentar, com coragem e determinação, os riscos que a construção da humanidade implica.
Entretanto, bom proveito do bacalhau, do polvo e das mesas fartas do nosso Natal.