Ter, 06/11/2018 - 11:10
Pelo que vemos, ouvimos e lemos sucedem-se fenómenos políticos estranhos, nesta segunda década do século XXI, repetidamente anunciado como tempo de um mundo nunca visto, com informação a rodos, qualidade de vida sem comparação, prosperidade geral mais dia menos dia, um verdadeiro brinquinho no espaço cósmico.
Afinal, não faltam surpresas para quem, pelos vistos, foi entendendo a realidade à medida dos seus desejos, enquadrados por optimismo relativamente à humanidade, que não encontra correspondência na vida real, revelando a crueza da tragédia que continua a ser a marcha do mundo.
Na segunda metade do século XIX viveu-se um período muito semelhante aos dias de hoje. A ciência e a tecnologia estavam então a transformar radicalmente a existência: vacinas, medicamentos, adubos químicos, telégrafo, electricidade, motores de explosão a caminho do automóvel e do avião, submarinos, armas de repetição, produção em série, enfim, uma perspectiva de um mundo realmente novo, celebrado por Darwin, Júlio Verne ou H. G. Wells.
Podemos imaginar a desilusão que seria para estes pensadores a observação do que nos trouxeram as primeiras décadas de novecentos, com a guerra mundial, a experiência bolchevista e o alastrar do fascismo, legitimado pelo voto democrático, no caso da Alemanha, ou pelo apoio massivo na Itália, na Espanha e em Portugal.
Portanto, pouco há de novo hoje, quando ficamos admirados com o que tem vindo a acontecer. Resta pouca paciência para ouvir o “main stream” europeu, civilizado, informado, cioso de todos os direitos, que insiste em não prestar atenção aos verdadeiros problemas da realidade política. A democracia não se realiza na simples expressão da vontade imediata, centrada em cada egoísmo particular, condicionada por preconceitos, equívocos, superstições, sinais do estômago e frustrações de quem confunde o seu umbigo com o centro do mundo.
Se acrescentarmos verdadeira miséria material, que reduz a cisco os princípios morais e éticos, teremos uma sociedade tomada de assalto por manipuladores e malevolentes, que não querem saber das consequências da sua voracidade e mesquinhez e, mesmo assim se constituem como referências para a turba que aplaude a insolência, em vez da honradez e da humildade.
A democracia comporta riscos de que não podemos alhear-nos. Se estivermos atentos não seremos surpreendidos pelos resultados de eleições no Brasil, nos EUA, na França, porque acontecem quando se descuida a educação em nome da licença, quando se legitimam os caprichos, desprezando o percurso comum e a partilha paciente, empenhada na verdadeira mudança e quando se dá largas à soberba e à vaidade, que têm pouco a ver com o respeito pelos outros.
Estamos numa conjuntura que pode tornar-se permanência longa de recuo civilizacional, com consequências gravosas para as próximas gerações, se não encontrarmos meios para atalhar desvios ao modelo democrático que nos podem levar a tragédias que esperávamos nunca sofrer.
Teófilo Vaz