PÂNCREAS (O palco e os bastidores)

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Há, em teatro, cenas que têm de se deslocar para o fundo do palco, não por terem menor valor mas porque outras mais importantes lhe roubam a boca de cena.

Sem dúvida que a decisão de construir em Portugal o primeiro Centro de Investigação e Tratamento do Cancro do Pâncreas é de um relevo assinalável. Em conversa recente, na Gubenkian, um amigo, especialista em patologia do cancro, evidenciava a dimensão deste anúncio e não poupava elogios a esta relevante inciativa. O cancro do pâncreas é uma doença transversal que, não resultando de qualquer abuso de alimentação ou vício (como o tabaco) atinge todos os estratos sociais, em todo o mundo. Um centro dedicado exclusivamente a esta temática vai, obviamente, ficar no radar internacional, com todos os benefícios que daí advêm.

O primeiro deles consiste no facto de que, a partir de agora, há uma referência  obrigatória para todos os que pretendam um tratamento especializado e atualizado desta doença. De entre eles, muitos haverá com grande capacidade financeira que, ao deslocarem-se a Portugal, trazem consigo assinaláveis recursos financeiros seja para investir diretamente no tratamento, seja para viagens e estadias suas, das respetivas famílias e demais acompanhantes.

Igualmente, uma unidade especializada nesta área, única no mundo, vai atrair a atenção dos melhores especialistas na doença. O recrutamento, seguramente, far-se-á (como, felizmente já acontece noutras áreas da investigação) por simples escolha dos melhores de entre os melhores dos muitos que se candidatarão. É bom lembrar que o cancro do pâncreas é um dos mais mortíferos atualmente e que, qualquer desenvolvimento e resultado das pesquisas associadas, constituirá uma assinável mais-valia a que qualquer um dos maiores especialistas gostará de estar associado.

Acresce ainda que as farmacêuticas vão priviligiar os contactos com este centro, começando pelos ensaios clínicos de fase 2 e, sobretudo, de fase três que não só constituem uma assinalável fonte de receita, como ainda permitem aos doentes voluntários o acesso a medicamentos inovadores, quando já foram certificados como seguros mas ainda não disponíveis no mercado. É normal que, destes ensaios resultem publicações científicas que prestigiam a instituição bem como os clínicos e técnicos envolvidos.

A notoriedade não se esgota no pioneirismo da instalação. Passa igualmente pelo crédito que é conferido à Fundação Champalimaud por ter sido escolhida por um benemérito internacional, Maurício Botton Carasso, neto de Isaac Carasso, fundador da Danone, para receber cinquenta milhões de euros sem qualquer outra contrapartida que não seja a construção e colocação em funcionamento, do referido centro.

O que terá, pois levado, Maurício e a esposa Charlotte a dirigirem-se à instituição vizinha da Torre de Belém, com esta generosa oferta? Sem dúvida uma realidade suficientemente importante para ter determinado a decisão, mas que, só por si, não alcançou a notoriedade do anúncio do empreendimento. Nesta realidade cabe, antes de mais, o feito da Administração que, há dez anos ainda não tinha sequer instalações próprias e que hoje ostenta um assinalável património e, sobretudo, uma vasta atividade de grande projeção nacional e internacional na investigação científica, no tratamento do cancro e no apoio às melhores práticas e pesquisa para tratamento das doenças da visão.

Mas igualmente, algo que me impressionou quando tomei conhecimento, que a prática clínica tem, nesta unidade, uma metodologia de atuação excelente começando logo na tomada de decisão pois todos os casos clínicos, sem excessão, são objeto de discussão entre os vários especialistas sendo certo que várias vezes a opinião do chefe de equipa revê a sua decisão inicial proporcionando assim, sistematicamente, um melhor tratamento aos muitos doentes que ali acorrem, em número crescente.

A atratividade internacional do Centro Champalimaud de Investigação em Neurociências é já uma realidade comprovável, o prémio visão é disputado pelos melhores investigadores e instituições de tratamento da cegueira, por todo o mundo e, dentro em breve, igualmente será um polo de referência global.

 

José Mário Leite