Nós, os “TransmonTansos”!

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Trás-os-Montes, entendido como Miguel Torga o delimitou e rebaptizou de Reino Maravilhoso, “um berço que oficialmente vai de Vila Real a Chaves, de Chaves a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda à Régua”, é tão-somente, uma parte desse mal-amado país que os machuchos políticos levianamente apodam de “interior”. Se pelo menos uma vez na vida fossem coerentes chamar-lhe-iam sim de “exterior”, já que teimam em colocá-lo fora da Nação.

Não cairei na estultícia de dizer, parafraseando uma conhecida expressão popular, que de boas intenções está o inferno cheio. O “interior”, melhor direi. Mas não tenho qualquer rebuço em afirmar que de palavreado e promessas de circunstância estão fartos e enfastiados todos os transmontanos que não enjeitam as origens.

Fartos de que esses políticos impostores sistematicamente os tomem como “transmontansos”, embora o façam à socapa. Incluindo os parolos autarcas da casa, esses sim verdadeiros tansos, que teimam em desprezar a cultura e os criativos seus conterrâneos. Ó Junqueiro, ó Coelho, ó Alves, ó Pascoais, ó Nadir, ó Cardoso, ó Luís Vaz, perdoai-lhes que eles parecem saber o que dizem mas não sabem o que fazem!

Tropecei, há dias, numa página da Internet do Jornal de Negócios que abordava com o pormenor até então não noticiado, a cerimónia de apresentação ao Presidente da República e ao Primeiro-ministro, no passado 18 de Maio, no Museu dos Coches, em Lisboa, de um conjunto de propostas consideradas "radicais" laboriosamente preparadas por um autodenominado Movimento pelo Interior, com a finalidade de revitalizar as regiões ditas de baixa densidade populacional.

Confesso que fiquei descoroçoado. Primeiro porque lá se dizia que depois desse acto solene o dito Movimento pelo Interior se extinguiria, quando parecia ser um movimento duradoiro, redundando, quiçá, num alargado partido regional e regionalista, capaz de fazer valer as suas ideias na Assembleia da República ou mesmo num eventual Governo.

Descoroçoado porque o tal Movimento pelo Interior remeteu para o livre arbítrio do Governo a eventual aplicação das medidas em apreço. Claro que o Governo, ainda que o seu Primeiro-ministro sempre se mostre sorridentemente receptivo, não vai pôr em práctica nenhuma das medidas elencadas, por maior bondade que elas possam ter. O mais certo é remetê-las para as calendas gregas ou directamente para o Museu das Descobertas.

O mesmo se não diria se do grupo proponente fizessem parte administradores da EDP ou da China National Petroleum, por exemplo, cujas directivas receberiam de pronto o beneplácito governamental, mesmo que implicassem o afogamento ou o envenenamento do Reino Maravilhoso, como aconteceu, com o vale do Tua.

Descoroçoado também porque, tanto quanto me foi dado saber, as 24 medidas propostas são meramente administrativas, avulsas, desenquadradas de um indispensável modelo de desenvolvimento, ao arrepio de princípios fundamentais garantes do respeito pela ecologia, cultura e tradições transmontanas.

 Visam, principalmente, trazer gente a granel para a região, sem ter em conta o óptimo populacional ajustado à capacidade das terras, dos rios e dos ares, salvaguardando os habitats e a qualidade de vida a que os “transmontansos”, ainda assim, é suposto terem direito.

Por certo, nenhum “transmontanso” que se preze, a si, à sua família e à terra, gostaria de ver ressurgir em Vila Real uma cópia do Casal Ventoso, uma imitação do Bairro do Aleixo em Chaves ou uma nova Reboleira em Bragança, para não falar em lixeiras orgânicas a céu aberto ou nucleares a céu fechado. Imagine-se o que seria se descobrissem petróleo no Vale da Vilariça ou na Veiga de Chaves!

Descoroçoado, sobretudo, porque nós, os “transmontansos” continuamos a não ser tidos em conta o que só demonstra que não é o nosso bem-estar que preocupa tais machuchos políticos.

 Havemos de concluir, ainda assim, que tudo não passa do usual fogo-de-artifício, foguetes de estalo e de lágrimas que animam as romarias partidárias. Mas que não estão livres de causar incêndios. Cuidado!

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

Henrique Pedro