Pero Henriques Cavaleiro é figura mítica da comunidade cristã-nova de Torre de Moncorvo do século de 500. O sobrenome é honorífico e ganhou-o nas campanhas militares pelo Norte de África. Pertencia, pois, à burguesia cristã-nova enobrecida. Foi casado com Leonor Henriques, de Vila Flor e ali assentaram morada. Tiveram pelo menos 5 filhos e 2 filhas, que chegaram à maioridade. Ficando viúvo, casou segunda vez, com uma mulher de Vila Real e dela não houve descendência.
De sua mulher, Leonor Henriques, temos mais informações, colhidas nos processos de seus irmãos e sua mãe, Branca da Mesquita, que todos foram presos pela inquisição de Coimbra, no seguimento da visitação do inquisidor Jerónimo de Sousa, em 1583. (1) E conhecemos também os ascendentes de Branca, desde a geração dos batizados em pé.
Também alguns dos filhos do Cavaleiro estagiaram nas celas do tribunal do santo ofício. Foi o caso de Domingos Henriques, preso em 1618, (2) que denunciou familiares e amigos e confessou ter sido doutrinado na lei de Moisés por seu pai e por seu tio materno, o letrado Domingos Marcos.
De seguida, também a filha, Violante Henriques, (3) foi prisioneira da inquisição. Era casada com António Vaz que cedo se abalou para as Américas, concretamente para o Perú, conforme o testemunho de Diogo.
Um terceiro filho do Cavaleiro, alvo da perseguição inquisitorial chamou-se Diogo Henriques, o nosso biografado. Nasceu em Torre de Moncorvo, por 1590. Foi casar em Vila Real com uma Branca Dias. (4) O casal fixou morada em Vila Flor, onde viviam, com seus 4 filhos: Pedro, Violante, Francisco e Leonor, o mais velho nascido em 1615. Esta Leonor viria a casar com Manuel do Vale e estes seriam os bisavôs maternos de Jacob Rodrigues Pereira, o inventor do alfabeto para os surdos-mudos. (5)
Foi no dia 9 de fevereiro de 1620 que Diogo Henriques foi preso pelo meirinho da inquisição de Coimbra, António Moreira, juntamente com sua irmã Violante, sua cunhada Águeda Correia (6) e o seu parente Mateus Marcos, que morreu na cadeia antes de completar um mês de estadia no cárcere, contando apenas 19 anos de idade. (7) A lista de pessoas que António Moreira trazia para prender em Torre de Moncorvo incluía ainda mais 4 pessoas. (8)
Diogo terá sido denunciado por seu irmão Domingos morador em Torre de Moncorvo, preso em 1618, que deu o seguinte testemunho:
- Haverá 12 anos, em Vila Flor, em casa de seu pai, Pero Henriques, Cavaleiro, se achou com seu irmão Diogo Henriques, solteiro, e agora casado em Vila Real, morador em Vila Flor, e estando ambos sós com o dito seu pai, que então era viúvo e morava em Vila Flor, e foi depois do último perdão geral… doutrinou-os na lei de Moisés. (9)
Entregue ao alcaide da cadeia do tribunal de Coimbra no dia 24 do dito mês de fevereiro, logo naquela ocasião, “antes de ir para o seu aposento”, Diogo manifestou o desejo de confessar os seus erros e pedir misericórdia e perdão. Semelhante disposição manifestariam os que com ele foram presos e a “estratégia” terá sido combinada pelo caminho, pois que todos eles foram sentenciados e mandados embora no mês seguinte. Para além disso, veja-se a seguinte nota, escrita logo ao início do processo de Diogo Henriques:
- Não se lançaram no processo as mudanças (de cárcere) deste réu, por ser muita gente (presa) e os notários muito ocupados.
Sim, os notários e os inquisidores de Coimbra estavam bem ocupados. Naqueles anos, desde 1618, foram “levas” sucessivas de grandes mercadores da cidade do Porto e das terras durienses, nomeadamente de Torre de Moncorvo e Vila Flor. Aliás, o próprio despacho final mandado lançar no processo de Diogo, em 22.3.1620, é bem elucidativo:
- Foram vistos nesta mesa do santo ofício estes autos e culpas e confissões de Diogo, cristão-novo, neles conteúdo, e pareceu que se devia despachar para sair neste auto, por haver confessado e satisfeito aos autos, por onde o não podem deter, em razão da justiça, como também porque muita razões de conveniência pedem o mesmo, visto ser o réu de terra tão despovoada, e estarem os cárceres tão cheios, e a conjugação do tempo mostrar que convém dar expedição aos confitentes. E porém que destas razões se fizesse aqui menção para constar das que houve para se correr com pressa em este processo e não ficar exemplo para outros casos que em tudo não seriam a este semelhantes.
Contava 30 anos de idade quando regressou a Vila Flor. Não trazia já vestido o abominado sambenito. E pouco mais sabemos sobre Diogo Henriques, que morreu antes de 1637, segundo informação colhida no processo de seu sobrinho Pedro Henriques da Mesquita. Com este e muitos outros descendentes do Cavaleiro a saga da família nas masmorras da inquisição haveria de continuar.
Notas:
1-ANTT, inq. Coimbra, pº 9316, de Branca da Mesquita; pº 2376, de Brites Marcos; pº 12457, de Gonçalo Marcos.
2-IDEM, pº 2466, de Domingos Henriques. Este foi casado com Inês Henriques, cristã-nova de Chacim. Depois de penitenciado, o casal deixou a Torre de Moncorvo e foi viver para Vila Nova de Foz Côa.
3-IDEM, pº 3209, de Violante Henriques. Depois de libertada, Violante abalou para Castela, onde vivia por 1637, contando uns 60 anos, conforme declaração feita por seu sobrinho Diogo da Mesquita Munhoz.
4-Branca Dias era filha de Francisco do Vale e Violante Dias. Também esta foi processada pela inquisição de Coimbra, em 1622 – pº 6074. Branca Dias estará também ligada à família de Manuel Fernandes Vila Real.
5-ANDRADE e GUIMARÃES – Jacob (Francisco) Rodrigues Pereira, Cidadão do mundo, Sefardita e Trasmontano, Lema d´Origem, Porto, 20014.
6-ANTT, inq. Coimbra, pº 5693, de Águeda Correia, natural de Chacim. Em 1620, Águeda contava 50 anos e era já viúva de seu marido, António Henriques, mercador de panos. Morava na Rua da Fonte do Concelho, em uma casa de sobrado. Tinha uma vinha, sita por cima da Fonte do Concelho e que valia uns 70 mil réis. Depois de penitenciada, abandonou Moncorvo e foi-se para Castela, fixando morada em Medina d´el Campo.
7-IDEM, pº 3270, de Mateus Marcos.
8-IDEM, pº 5693, de Águeda Correia: - Lista das pessoas da nação que se hão-de prender em Torre de Moncorvo: Vasco Fernandes, mercador, casado com Filipa Gomes, ausentes há um ano; Violante Henriques; Inês Henriques, fugiu poucos dias depois de prenderem seu marido, Domingos Henriques; Francisco Vaz, mercador, casado com Maria Vaz, já defunto e ele é irmão de Domingos Henriques; Águeda Correia, viúva de António Henriques, o qual é irmão de Domingos Henriques; Paulo Henriques, mercador, casado com Violante Rodrigues, irmão de Domingos Henriques, fugiram para fora do reino; Isabel Henriques, irmã de Domingos Henriques, viúva de Luís Marcos, fugida há muitos anos; Mateus Marcos.
9-IDEM, pº 2456, de Diogo Henriques.