O factor P

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Um dos temas quentes da atualidade, prende-se com a forma como o Facebook foi usado pela empresa britânica Cambridge Analytica para ifluenciar as últimas eleições presidenciais americanas. A partir deste caso choveram críticas, gritos de revolta, sinais de alarme, declarações inflamadas, rasgamento de vestes e anúncios apocalíticos, sobre o risco de morte da democracia. À mistura com muita verdade, verdadeira reflexão sobre o papel das redes sociais e denúncia de metodologias desapropriadas veio igualmente muita demagogia, falsa indignação e hipocrisia, de politólogos, comentadores e, sobretudo, políticos. Estamos a falar de quê? Ao que parece uma empresa de marketing vendeu os seus serviços à campanha de Donald Trump tendo em vista contribuir para a vitória nas respetivas eleições. Esta, no âmbito do trabalho que lhe foi encomendado, estudou o universo eleitoral e preparou uma série de ações destinadas a influenciar o sentido de voto dos oponentes, sobretudo o dos indecisos. Um dos casos relatados tem a ver com a contratação de última hora de um anúncio na Google Ads para que uma notícia favorável ao magnata surgisse em primeiro lugar sempre que alguém pedisse ao motor de busca, informações sobre a guerra no Iraque (“Hilary votou a favor, Trump opôs-se-lhe”). Este anúncio só foi possível porque a campanha da senadora que tinha reservado o espaço na gigante tecnológica, desistiu do mesmo por estar confiante na vitória. Afinal o “crime” da consultora terá sido o de aproveitar uma oportunidade rejeitada pelos democratas. 
Não se limitou a esse aproveitamento fortuito e providencial. Terá igualmente cozinhado e divulgado notícias em que o papel do seu candidato era exageradamente exaltado por contrapartida da depreciação da sua oponente. Vejam só! E, pasme-se, para além disso, adequou a mensagem ao perfil conhecido dos destinatários. Essa agora! O que é que isto tem de inédito? Ah, já sei, tudo isto baseado num algoritmo científico! Bom, em boa verdade isso é novo! “So what”? 
Consta ainda que foram recolhidos dados de quase cinquenta milhões de utentes do Facebook para construir os vários perfis e, com base nisso, estratificar o público alvo de forma a melhor personalizar e dirigir a mensagem pretendida. A classe política entrou em pânico: estão a destruir a Democracia! Se estudar o universo eleitor (ou parte dele) e moldar o discurso ao que é esperado e suposto agradar aos ouvintes é a sentença de morte do regime democrático... então a condenação não é de agora!
Ah, mas a recolha de informação foi feita, recorrendo às redes sociais e sem o devido consentimento explícito. Pois. Sem o consentimento, mas não sem o conhecimento, a menos que fôssemos ingénuos! Quem quer que seja que navegue no ciberespaço não deve ignorar que a cada clique, a cada like, a cada comentário, a cada publicação, a cada partilha, a cada recusa, está a dar sinais claros do que é, do que gosta, do que detesta, do que o identifica, do que o diferencia e até do que pensa, apoia ou rejeita. Mas não é só quando “navega” nas redes sociais. Igualmente quando viaja com o GPS ligado, quando reserva um hotel ou uma viagem de avião, quando telefona de um telemóvel, quando paga a crédito, quando levanta dinheiro ou quando muda de canal de televisão. Quando usa a tecnologia atual ao seu dispôr (e que a pouco e pouco invade total e inevitavelmente a vida de cada um) está a definir um percurso e uma opção de vida, está a esculpir uma identidade. Que não haja qualquer ilusão: do outro lado do ecrã olhando para esta movimentação, recolhendo esta exposição, tratando-a em conjunto (e em particular se tal for adequado) estão, já há muito tempo, grandes corporações digitais desde a Google, à Apple, passando pela Amazon e Facebook. E é por isso que dominam o mercado e apresentam valores estratosféricos de Goodwill. 
O facto novo é apenas este: a possibilidade de conhecer, estratificar e manipular a opinião deixou de ser um exclusivo da classe política. Será talvez isso que tanto os perturba, mas não há nada a fazer. O velho caciquismo tem agora novas formas e novo paradigma: chama-se fator F. Amigos, familiares, apoiantes e seguidores (em inglês friends, family, fans and followers) são quem mais condiciona a opinião de cada um.
E, cada vez mais vai ser assim, já que é assumido que em 2025, mais de 90% da população mundial estará conectada, gratuitamente, à Internet. 
José Mário Leite