Cidadania e Demagogia

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Qua, 04/04/2018 - 09:40


Um velhíssimo problema tem acompanhado a construção e consolidação do modelo político democrático, que reconhecemos como expressão do que de melhor foi concebido e realizado na história da humanidade.
Trata-se da demagogia, autêntico agente infeccioso, qual vírus com capacidade de adaptação, resistência e propagação, sempre em condições de estragar a festa e impor retrocessos espantosos, como aconteceu ainda não há muito tempo na Europa, que teima em não querer ver-se ao espelho despida de fantasias.
Objectivamente, os tempos memoráveis de sistemas democráticos a funcionar, que continuam a ser referências para nós, duraram pouco, dando lugar a longos períodos de degradação, decadência e corrupção dos esteios fundamentais das sociedades. Por isso, as democracias requerem atenção, dedicação e coragem de cada cidadão, para evitar que se mergulhe alegremente na displicência, no comodismo, na convicção de que é impossível voltar à selvajaria, mesmo se todos os dias se multiplicam exemplos de egoísmo feroz, de miséria ética e de cobardia desprezível.
Não devemos estranhar a ascensão a lugares políticos de gente boçal e voraz, porque esse fenómeno não é mais do que o reflexo do que vai medrando nas nossas sociedades, onde o exercício da cidadania se confunde com o usufruto de todos os direitos, sem que se reconheçam nenhuns deveres.
Casos mediáticos têm instalado a sensação de que não há remédio para uma verdadeira peste, que só terá fim quando irromperem, no tempo das nossas vidas, novos anjos vingadores, sem contemplações, para limpar o espaço e o tempo, à maneira do velho dilúvio.
E o caso não é para menos. Quando a democracia é entendida simplesmente como um instrumento para atingir interesses individuais, no imediato, ou a prazo, sem curar dos desígnios colectivos em cada comunidade, nos diversos países e no mundo que, todos sabemos, é uma aldeia global, estamos definitivamente a comprometer o futuro da verdadeira política.
Para que a Humanidade possa fazer o caminho da dignificação é necessário que cada um, no espaço e tempo que lhe cabem, procure viver de acordo com os princípios do respeito pelos outros, para que assim possa defender com a força necessária a sua liberdade e a de todos. Doutra forma, a cidadania surgirá retorcida, com tons de hipocrisia oportunista, sem escrúpulos e com laivos de uma esperteza saloia indecente.
Sente-se no dia-a-dia, de forma exuberante a presença de exemplares que facilmente metem os políticos todos no mesmo saco, mas são capazes de agir prejudicando sistematicamente os outros, arrogando-se direitos que não têm. É dessa massa que surgem os que são capazes de desviar ostensivamente recursos destinados às regiões mais desfavorecidas, durante décadas, por políticas de investimento erróneas, para as zonas repetidamente privilegiadas, concluindo um processo de verdadeira aniquilação deliberada das terras e das pessoas. Surgem, no entanto, sob máscaras de veludo, fazem proclamações de nobres sentimentos em voz de falsete, a que acrescentam actos de contrição, enquanto afivelam sorrisos escarninhos sobre a perplexidade que invade os que já não acreditavam ser possível tanta demagogia.