No princípio era o Big Brother, e o Big Brother era o programa mais visto da televisão. De seguida vieram as Casas dos Segredos, as Quintas e uma série de réplicas até que o formato se esgotou. A suposta realidade tomava conta do ecrã e o espetador vibrava a cada pormenor que a ficção ia mostrando. A audiência aumentava quando o jovem provinciano dava de comer às galinhas e era alvo de chacota dos companheiros; disparava ao pontapé gratuito sobre uma concorrente e ainda subia mais às cenas de sexo comentadas em direto e quando a apresentadora anunciava o tempo que o ato demorou a consumar-se.
O cenário parecia real e as câmaras captavam o que ia acontecendo. Desde esse dia três de setembro de dois mil, salvo o erro, que, para continuar a captar o público, era necessário adensar o guião, mantendo a ideia de que tudo era realidade e improviso por forma a elevar os níveis de adrenalina e, essencialmente, de seratonina. Ao cenário chamavam “Casa” e aos pseudoatores “participantes”, pois o espetáculo já tinha sido montado quando os psicólogos estudaram os perfis, combinaram as personalidades e sabiam, de antemão, o que aquela mistura daria num espaço fechado e sem contato com o mundo exterior.
À semelhança do circo romano também aqui se exige mais espetáculo e mais ação. Lá por fora há novos formatos e a concorrência entre canais obriga à antecipação na compra dos direitos; se os reality show’s com jovens já aborreciam é necessário encontrar novos atores e um guião que continue a explorar o mais negativo do ser humano sem atender à idade ou às consequências, e o Grande Irmão criou o SuperNany! Se no formato espanhol se baixou a fasquia até à adolescência, em Portugal foi-se até à infância, não já num cenário criado mas escancarando as portas da intimidade daquilo que devendo ser um lar é, afinal, uma jaula exposta aos olhos do mundo.
A polémica que se seguiu é de todos conhecida, continuando o canal promotora somar audiências, agora com entrevistas, debates e intervenientes dos mais diversos quadrantes – incluindo o Ministério Público e altos representantes da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens. Como o que está em causa são juízos de valor, os debates terminaram sem vencedores nem vencidos – como convém nestas situações. Com efeito, se têm razão os que consideram que os superiores interesses da criança estão ameaçados com tal exposição e que não houve a sensatez necessária para acautelar os efeitos nestes seres em início de vida, também os que defendem a exposição destes casos na praça pública, porque eles existem, não deixam de ter razão. Ambas as facções perdem na análise quando abordam, superficialmente, a realidade que está presente no mundo ocidental e não vão ao âmago da questão: os pais perderam a batalha da educação.
De momento, não interessará muito abordar as causas nem olhar para os nichos familiares onde, ainda, parece existir harmonia e adultos que, balizados por valores religiosos ou da tradição genealógica, conseguem desempenhar o seu papel, porque acredito que, mesmo esses, têm as suas dúvidas enquanto educadores. A única é a de que não se educa por osmose nem por imitação e muito menos por catálogos de Nanys. Educar nos dia de hoje é fazer um número de trapézio sem ensaio, sem rede e sem possibilidade de voltar atrás.
Fala-se da formação ao longo da vida, mas escasseiam os momentos em que a educação parental está presente no rol das intenções dos responsáveis pela área. Na deliberação daqueles pais não consigo vislumbrar um laivo de exibicionismo mas um grito desesperado de quem expõe as misérias por falta de outros meios. A medicina familiar trata do corpo mas esquece a alma, as igrejas falam dos céus e esquecem-se da terra, e da escola é melhor não falar, porque tal como os pais, anda à procura do seu lugar no mundo. Eduardo Sá, o psicólogo da moda, diz que os bons filhos são os que nos trazem problemas, eu, limito-me a dizer que os filhos vêm ao mundo para educar os pais. No meio desta confusão, e emergindo do meu otimismo acredito que a única coisa que nos vais ajudar são os afetos verdadeiros que devem existir entre pais e filhos, e esses vão desparecendo.
NO PRINCÍPIO
Raúl Gomes