Ter, 06/02/2018 - 10:19
Antes da invasão esmagadora das modas anglo-saxónicas, que nos vão descaracterizando os ritmos de relação com os ciclos naturais, preexistia um substracto cultural que tem vindo a ser relegado para o esquecimento e qualquer dia será mesmo varrido da memória comum, para mal do nosso futuro.
Já nos retorceram as festas de todos os santos, impuseram ao Natal um velho gorducho, de vermelho garrido e povoaram a festa da Páscoa com coelhos sabidos e ovos sarapintados.
Estamos a poucos dias de celebrar, com requintes de consumismo bacôco, o “Saint Valentine’s Day”, que se pretende a festa do amor, institucional ou não, até que a vida os separe, porque já não estamos em tempo de afeições perpétuas.
Antes, os nossos adolescentes, mais ou menos por esta altura do ano, dedicavam-se a brincadeiras, por vezes de mau gosto, endereçando cartas uns aos outros, com declarações de amor farsante, ou talvez não, que redundavam em sarcasmo, maledicência e humilhação dos mais ingénuos.
A situação do interior do país, verdadeira tragédia que nos está a levar às portas da desesperança sem retorno, é semelhante à dos infelizes que recebiam tais cartas e, assim, viam redobrar a chacota com a sua miséria, exposta pela crueldade dos que se achavam bafejados por múltiplas sortes.
De facto, nos últimos tempos não têm faltado declarações quase empolgantes de dedicação ao interior, de reconhecimento de injustiças perpetradas contra ele, de protestos de arrependimento e de loas às virtudes e potencialidades da terra e das gentes, enrugadas de abandono.
Da famigerada Unidade de Missão para o Desenvolvimento já vamos percebendo o fraco resultado. Não faltaram encómios, promessas de mais de centena e meia de medidas, mas não sentimos que o seu coração, se é que existe, palpite por nós.
Pelo contrário, soa-nos a ôco o que foi dito, porque de acções tudo está na mesma, senão pior. Veja-se a distribuição dos fundos comunitários até 2020, em que os territórios do interior viram verbas que lhe estavam destinadas mais uma vez desviadas para a faixa litoral, porque aqui não se realizavam as condições impostas pelo programa acordado com a União Europeia.
Perante o resultado pífio da Unidade de Missão, eis que se erguem garbosos políticos a constituir um Movimento pelo Interior, com o alto patrocínio do presidente da República, que pretende encontrar medidas a concretizar com brevidade, no que parece um dedo apontado a António Costa, apesar da idílica convivência que tem marcado os caminhos do governo e do presidente.
Neste movimento aparecem figuras que tiveram responsabilidades governativas, como Álvaro Amaro e Silva Peneda, agora arvorados em paladinos de nobre combate pelo interior, iludindo responsabilidades próprias na situação a que esta parte do país chegou, o que nos leva a pressentir que estamos perante nova carta de enganos ou simplesmente a ser utilizados como arma de arremesso numa luta surda que nada tem a ver com os verdadeiros interesses do interior.
Antes pelo contrário...
Teófilo Vaz