Ora viva minha gente. Essa saúde anda valente? Assim espero! Passico de pardal e já cá estamos, mais um ano quase passado. “Caindo o Natal à segunda-feira, tem o lavrador que alugar a eira”. Andava à procura de um ditado sobre o advento para fazer mesa e surgiu-me este pelo caminho. É nestas alturas que dava jeito um tradutor de provérbios para quem meia palavra nem sempre basta. Ainda por cima umas vezes aparece “alugar a eira”, outras “alargar a eira”. Natal, segunda-feira, muitos dias de gazeta para o lavrador, será? Não sei. Outro, “Bom alhal, semeia-o pelo Natal”, mas também “planta-o pelo Natal”. Planta-o, semeia-o, mas afinal... Estou a ficar confuso, alguém me passe com urgência um Borda d’ Água para as mãos. Para mais o agricultor tem sempre aquela coisa de treinador de futebol, às vezes mais de treinador de bancada. Para o mesmo efeito cada um tem sempre a sua tática, o seu modelo de jogo. Uns que é melhor plantar antes, outros depois, uns que é melhor podá-lo e outros deixá-lo crescer. É assim uma coisa meio avulsa mas que faz parte da gíria. A natureza são os jogadores, quando querem correr correm, quando não querem não puxam pelo cabedal e consoante a prestação destes o treinador leva por tabela, umas vezes recolhe os louros, outras a chicotada. Não é fácil a vida de agricultores, de treinadores e restantes comuns mortais. E se forem comuns mortais portugueses então, mais difícil ainda, basta o presente ano para prová-lo. Já nem nos lembrávamos da nossa esquizofrenia, depois de ganharmos o Euro atirámos a medicação fora, mandámos à fava os conselhos do médico, pensámos que seria sempre a subir, o céu o limite. E num ápice o céu ficou também ele à mão de semear, tocámo-lo com a benção do Papa a “amar pelos dois” e pelos demais, para cada turista seu carteirista, a olho nu pusemos um director na ONU. Mas o céu encolerizado de tamanha ousadia, qual gigante Adamastor fora de água, encheu-se de chamas para nos chamar à nossa condição e fazer voltar a cair no triste fado, na noite fria, no pijama cheio de cotão, na chaleira a ferver água para encher a botija e aquecer a cama. Quem vos julgais vós, pobre povo? E este mesmo nosso céu, azul-celeste por fora e impudico por dentro, tanto colocou um ministro no Olimpo duma cidade que todos dizem ser suja, como não deixou findar o ano sem vir buscar alguns dos nossos mais famigerados para a sua perene morada. Cruel, jocoso, uma no cravo, outra na ferradura. – Estou sim, boa tarde, podia dizer-me se tem vaga para uma consulta esta quinta-feira da parte da tarde para o Doutor Marcelo? – Olhe, infelizmente já está tudo preenchido. Consultas de afecto e miminhos agora só para o ano. – ‘Tá bom obrigado, pode ser que até lá com uns benurons e uns vídeo-árbitros isto passe. Realmente, meus caros, falta cumprir-se Portugal. Um Portugal que não seja feito de borracheiras e ressacas. Um Portugal que não acorde a jurar que nunca mais volta a beber até o chamarem para uma festa no fim de semana seguinte. Um Portugal que fosse um cidadão exemplar, contido, equilibrado, zeloso. Um Portugal em que se fale menos e se faça mais. Um Portugal... que certamente não teria a mesma piada, um Portugal que não seria Portugal, porque afinal “pode alguém ser quem, não é?”.
Deixem-me aproveitar ainda para falar do Zé Pedro, um gajo porreiro. Duas coisas. Primeiro, era aquela pessoa que ninguém conhecia pessoalmente, mas toda agente juraria que sim. Um dos raríssimos gajos porreiros que antes de o ser já o era. Isto é, antes de “adeus aos meus amores” e ir “p’ra outro mundo” já era alguém genuína, verdadeira e unanimemente porreiro. Não aquela pessoa que passou súbita e automaticamente à condição de boa pessoa só porque bateu a bota. E isso não é assim tão comum como se possa pensar, principalmente, de alguém com tanta fama, parte da nossa cultura contemporânea. O segundo aspecto, de especial gozo e ironia, é ver o que foi um jovem punk, marginal, que experimentou tudo o que acabava em “inas” (a frase por acaso é do Jorge Palma, mas podia ser dele) a quem tiraram um fígado que nem para um patêzinho dava (segundo as suas próprias palavras) tornar-se um homem com rumo e chegar ao fim do seu alinhamento a ser saudado e reconhecido por todos os portugueses, mais altas figuras do Estado incluídas. De facto a vida dá muitas voltas. Forte abraço!
N’América
Manuel João Pires