Ter, 14/11/2017 - 11:04
Uma aura romântica, por vezes autêntica mitologia, envolve figuras históricas que se constituíram como referências sentimentais para gerações inteiras de intelectuais quando jovens, ou mesmo numa adultez inquieta, geralmente identificados com propostas de ruptura nas sociedades em que viveram.
Tais personalidades foram, por vezes, verdadeiramente renovadoras, mas também deixaram um rasto de cinismo perturbador.
Se nos lembrarmos do grego Diógenes, circulando de dia com uma lanterna, à procura de um só homem digno, que passou pela vida de forma totalmente desprendida dos bens materiais, desdenhando de todos os que alimentavam ilusões sobre presentes ou futuros, o exercício da liberdade pode deixar-nos com um travo amargo, paradoxalmente demolidor para os modelos de convivência democrática.
Alguns séculos depois, um carpinteiro da Judeia também terá deixado marcas indeléveis na sua comunidade, quando espantava multidões, proclamando ser mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus.
Dois mil anos depois ainda continuamos à espera que a humanidade possa retirar proveito de tais actos. Talvez precisemos de encarar uma verdadeira partilha de princípios e valores, de modo a podermos dar forma e substância à construção de um sistema político que nos garanta solidez para tentarmos alcançar objectivos mais ambiciosos.
A democracia, na verdade, não passa de uma utopia. Apesar de tudo, tem dado provas de poder chegar mais longe do que a Torre de Babel, desde que não seja entendida como um espaço de recreio, em que cada um dá largas aos caprichos, ao egoísmo e à inveja, ao mesmo tempo que se deixa tentar pelos deleites da preguiça ou se dissolve na ira resmungona, instilando venenos que corroem mesmo as vontades temperadas pelo realismo que uma observação racional da história pode suportar.
Dos fins do século XIX ficou fama de novíssimos cínicos, muitas vezes nascidos em berço de ouro, que passearam olimpicamente o seu desprezo pelas frágeis conquistas democráticas, garantindo sempre que a turba não deixaria nunca de ser ignara, por mais que lhe servissem as maravilhas dos direitos, das liberdades e das garantias.
Assim se foi consolidando a ideia de que a vivência democrática é uma miragem porque o que se liberta são as forças brutas, as pulsões e os instintos, em vez da inteligência, da solidariedade e da fraternidade. Se cada um de nós não tiver clara consciência que a vida em comunidade não é simples aritmética de individualidades caprichosas, a democracia pode caminhar vertiginosamente para o caos, com todas as consequências degradantes para quem vier, no futuro, a passar por este mundo.
De facto, em vez da participação serena e empenhada na vida e nos destinos da comunidade, o que vemos são evicções cada vez mais agoniantes em órgãos de comunicação e nas designadas redes sociais de tudo o que de mais miserável pode resultar da utilização da liberdade, ameaçando mergulhar, em breve, as sociedades na iniquidade, afinal o inferno que sempre nos esteve prometido.
Teófilo Vaz