Álvaro Lopes nasceu em Mogadouro pelo ano de 1568, sendo filho de António Rodrigues, mercador e de Leonor Rodrigues, ambos nascidos naquela mesma vila. Os avós paternos chamaram-se Álvaro Lopes e Isabel Lopes e os maternos foram Pedro Álvares e Maria Álvares, todos moradores em Mogadouro.
Em data que não conseguimos apurar, casou com Isabel Nunes, natural da vila de Mirandela. O casal terá fixado residência em Vila Flor, terra onde nasceria o filho António Gomes Salzedo que iria casar no Porto com Isabel Mendes. (1)
Para a cidade do Porto se mudaria Álvaro Lopes com a sua família, pelo ano de 1605. E ali, por 1611, lhe nasceu o filho Francisco Gomes Salzedo que cedo se internou em Castela, indo casar com Ana de Rojas, natural de S. Felices de Galegos. (2)
Custou-lhe a casa mais de 600 mil réis. Era uma boa casa, de 3 pisos, com vistas para a frente e para as traseiras, ladeada de uma banda pela moradia do dr. Lopo Dias da Cunha, advogado, líder de uma poderosa família onde se contavam os filhos: Luís da Cunha, médico, António da Cunha, cónego da Sé e Paulo Lopes da Cunha, banqueiro. Da outra banda, a casa de Álvaro confrontava com a de Afonso do Vale, também cristão-novo.
Situava-se a casa junto ao Padrão de Belmonte. E a porta do mercador de Mogadouro seria um sítio muito procurado e espaço privilegiado de convívio, a avaliar pelos testemunhos recolhidos do seu processo. Com efeito, para além dos membros da família do Dr. Luís da Cunha com ele conviviam outros “homens de peso” como Diogo Henriques Cardoso, João de Leão, Pantaleão da Silva, João Rodrigues Preto, André Nunes Pina, João Rodrigues Espinosa, Manuel Rodrigues Vila Real…
Os poiais da porta de Álvaro Lopes concorreriam com o Cruzeiro que ali existia e deu nome ao local e com o Postigo das Virtudes, como espaços de encontro dos moradores daquela rua e das vizinhas, outrora integrando a judiaria. À porta de Álvaro Lopes, ao Postigo das Virtudes ou sentados nas escadas do Cruzeiro… são os locais constantemente referidos, nas confissões de declaração de judaísmo.
Talvez por isso mesmo, o processo de Álvaro Lopes apresenta-se como uma verdadeira montra da burguesia cristã-nova do Porto. Médicos, advogados, rendeiros, grandes mercadores enchem a lista dos denunciantes. Aliás, todos se denunciavam uns aos outros, apertados pelos inquisidores. Álvaro foi um de entre os mais de 120 cristãos-novos feitos prisioneiros da inquisição no ano de 1618, uma vaga de prisões como nunca se vira, que decapitou a classe burguesa do Porto e arruinou a cidade.
Não sabemos a data em que foi preso “porquanto este réu foi preso por uma lista geral” que ficou no segredo do santo ofício. Sabemos sim que em 9 de outubro de 1618, Álvaro Lopes foi entregue na inquisição de Lisboa, transferido dos cárceres de Coimbra. (3) Do inventário de seus bens, para além da casa, deve referir-se “uma negrinha de 16 anos que lhe custou 25 mil réis e não sabe de onde é natural”. O resto dos bens havia antes sido arrestado na sequência de uma demanda contra ele interposta pelas freiras de Santa Clara, de Vila do Conde, por uma dívida de 400 mil réis, das rendas que Álvaro trazia arrematadas, de parceria com Diogo Vaz da Mesquita, de Mirandela.
Referência também para uma dívida de cerca de 100 mil réis que tinha, proveniente de 2 caixões de açúcar branco da Baía, que lhe encomendara Lopo Fernandes, de Vila Flor, e que ele não tinha entregado, encontrando-se ainda na alfândega.
Problemas também surgiram com a cobrança das rendas da portagem que eram do bispo e cabido da cidade e Álvaro arrematou, de sociedade com outros, entre eles António Rodrigues Flandres, pai do médico Francisco Rodrigues Vila Real. Segundo o nosso biografado, aquele “ficou com mais de mil e quinhentos cruzados, que ele consumiu e comeu e fez deles o que quis, roubando-o a ele réu e mais companhia”.
De parceria ainda, desta vez com o “mestre-sala” Jerónimo Rodrigues, ganhou a arrematação da cobrança da renda do peixe seco nos anos de 1613-1614. E por tudo isto, Álvaro Lopes merece ser incluído na prestigiada classe dos rendeiros.
Para além da cobrança de rendas, Álvaro Lopes era um mercador de “grosso trato”. Com facilidade satisfazia uma encomenda de mil alqueires de cevada ao meirinho mor, certamente comprada em Trás-os-Montes e conduzida pelo rio Douro para o Porto. E com a mesma facilidade fazia um carregamento de pipas de vinho em Xerez de la Frontera, que dali mandava seguir para o Brasil.
Problemas, teve-os também com duas barcas chegadas ao Porto carregadas de cevada, certamente em terras do Alto Douro. A cevada de uma delas chegou molhada e foi preciso estendê-la para secar, o que se fez na loja de um Gonçalo de Sousa. E tendo-a vendida, foi novamente medida. Era suposto serem 900 alqueires mas faltavam mais de 120…
Obviamente que todas estas coisas foram contadas por Álvaro Lopes aos inquisidores para mostrar que os denunciantes eram seus inimigos capitais e, por isso, não mereciam crédito. Como acontecia com Sebastião Pacheco, um mercador do Porto que, em determinada altura, recebeu do estrangeiro, um barco carregado de esparto. O produto faltava na cidade e o Pacheco esperaria fazer um bom lucro com a venda. Porém, a descarga e o desalfandegamento do esparto demorou e entretanto chegaram outros carregamentos do mesmo produto, cujo preço logo baixaria. E Pacheco culparia do prejuízo a Álvaro Lopes, que então era rendeiro dos dízimos do esparto, assim ficando inimigos capitais.
Por mais de um ano o réu se declarou inocente e tentou defender-se, apontando muitas contraditas. Acabou, no entanto, por confessar que fora seguidor da lei de Moisés. Disse que fora doutrinado 7 anos atrás por Simão Lopes Pinheiro, “que dava casa de jogo, ao Postigo das Virtudes”.
Naturalmente que os inquisidores não acreditaram neste ensino e, por isso o retiveram na prisão e condenaram a tormento, no qual gritou muito “pela Virgem de ao Pé da Cruz”. Acabou por confessar muitas mais culpas, saindo condenado em cárcere e hábito perpétuo, no auto da fé de 28.12.1621 e recebendo autorização para regressar a casa em 6.2.1622.
Posto em liberdade, contava Álvaro Lopes uns 53 anos de idade. E dele nada mais sabemos. De sua mulher que temos notícia que pelo ano de 1725 morava em Pastrana, com o filho Francisco Gomes Salzedo, segundo informação de Markus Schreiber. Este autor diz-nos também que uma parte da família foi para as Índias de Castela. Exemplar seria o percurso de um neto de Álvaro Lopes, chamado Baltasar Gomes. Vejam apenas um excerto do seu depoimento quando, em 1665, aos 26 anos de idade, resolveu apresentar-se na inquisição de Lisboa:
- Disse que esteve em Madrid, Málaga e outros lugares de passagem, e dali passou a Itália e esteve alguns dias em Génova e dali passou a Regio, do estado do Duque de Modena onde se circuncidou e se declarou por público professor da lei de Moisés, e depois passou a este Reino e esteve no Porto e antes de ir a Castela foi ao Brasil, onde esteve na Baía por 4 ou 5 meses. (4)
Uma nota final sobre esta família de cristãos-novos Mogadourenses que até 1618 nunca fora incomodada pelo santo ofício. A partir do momento em que prenderam Álvaro Lopes, toda a família passaria a ser tida como infetada pelo sangue abjeto da gente da nação e a generalidade dos seus membros haveria de sofrer os horrores das cadeias do santo ofício.
Notas e Bibliografia.
1-António Gomes Salzedo e a sua família viveriam mercadejando entre o Porto e Castela, pois nessa época não havia fronteiras separando os dois reinos ibéricos. Em 1658 viriam a ser presos pela inquisição. – ANTT, inq. Coimbra, pº 3447, de António Gomes Salzedo; pº 4820, de Isabel Mendes. O mesmo aconteceria com 5 de seus filhos.
2-Em 1631 Francisco Gomes Salzedo vivia em Madrid, integrando uma rede familiar de negócios como rendeiros da administração dos portos secos. Na década de 1640 trabalhou em parceria com Nuno Álvares Viseu e com Manuel Nunes Mercado na administração das salinas de Múrcia e no ano de 1651 ostentava em Madrid o título de corretor. Nesse mesmo ano foi preso pela inquisição de Cuenca, saindo reconciliado em 1654. - SCHREIBER, Markus - Marranen in Madrid 1600-1670, pp. 194-195, Franz Steiner Verlag Stuttgart.
3-ANTT, inq. Lisboa, pº 13018, de Álvaro Lopes.
4-IDEM, pº 3979, de Baltasar Gomes.