Quando o Júlio Manso se senta ao lado do velho amigo Tomé Guerreiro este responde-lhe maquinalmente à saudação e nem tira os olhos do jornal.
– As novidades deixaram-no preocupado, ti’Guerreiro.
– Nem por isso. Nem são novidades nem é preocupação o que sinto.
– Homessa! Hoje está muito enigmático. Explique-se, homem.
– Estou a reler uma prosa que veio publicada no Jornal Expresso já em maio.
– E o que é lê aí, que o deixa tão cisudo?
– É um artigo de opinião do Pedro Santos Guerreiro que, a propósito dos papéis do Panamá e quejandos, veio garantir que ele e os que se meteram nesta tarefa hão-de levá-la até ao fim porque é esse o seu dever e que assim haverão de “regenerar um sistema em falência”.
– Mas olhe que isso mexe com gente muito poderosa!
– E ele não o sabe? Veja o que o homem diz: “Mesmo que ponha em causa poderes instalados – sobretudo se põe em causa poderes instalados – continuaremos inquietos e a inquietar. Mesmo que encolham os ombros nós mexeremos os braços. Mesmo que as opiniões públicas desistam, nós insistimos.”
– Pois essa deve ser a determinação de quem escolhe o serviço público, seja na administração, seja na comunicação social, seja na política.
– Na política não é assim tão simples. Nem tão direta. Nem sequer tão óbvia.
– E sabe porquê?
– Para começar porque o comportamento dos atores está longe de ser sensato e congruente. Basta ver a quantidade de gente que, a pensar no lugarzinho, já anda a mudar de companhia para o próximo ato eleitoral.
– O virar de casaca partidária é uma moléstia a que já nos habituámos.
– Virar as costas ao partido nem sempre é mau nem censurável.
– Essa agora!
– É verdade que as candidaturas integradas em partidos dão várias garantias aos eleitores. São estruras sólidas, permanentes e com muita inércia programática.
– E isso não é bom?
– Claro que sim! Contudo o problema é que os programas não têm força de lei e, como tal, podem ter interpretações e execuções muito diversas de acordo com quem lidera o poder executivo.
– É verdade. Mas, como sabe, a adesão a um partido é um ato voluntário. Ninguém é obrigado. Muito menos a integrar qualquer lista eleitoral. Quem aceitar a bandeira partidária aceita as regras estatutárias que integram certos preceitos de lealdade e fidelidade às opções, definidas por quem tiver legitimidade para isso.
– Concordo totalmente. Mas nem sempre tem de ser assim!
– E porque não?
– Pela própria natureza partidária.
– Agora é que fiquei completamente baralhado.
– Os partidos foram criados para exercerem o poder, em nome dos eleitores. A fidelidade dos seus membros aos respetivos estatutos serve precisamente para garantir aos votantes o cumprimento do programa partidário, genericamente, e o eleitoral, em particular. Por isso se exige aos eleitos que sejam coerentes e fiáveis.
– Sem dúvida!
– Contudo se alguém que aderiu a um partido com o genuíno sentido de serviço público, verificar que o interesse comum não está devidamente acautelado, não será legítimo ignorar os ditames estatutários? – Mesmo que isso implique a perda do cartão de militante..?
– Mesmo que a consequência seja essa! Porque, neste caso em concreto, o verdadeiro virar da casaca seria manter-se calado e cúmplice!