Afinal o interior não existe

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Ter, 06/06/2017 - 11:33


Há uma solidariedade que nos leva a olhar para o resto do país, a leste, faixa inteira até ao interior serrano do reino do Algarve, para dar razão ao aforismo de que mal de muitos é alívio.

Por alguma razão, eventualmente resultante de um rebate de consciência, o governo em funções criou uma Unidade de Missão para a Valorização do Interior, liderada por uma professora de Coimbra, Helena Freitas. O desígnio anunciado era travar as dinâmicas avassaladoras de despovoamento, com consequências provavelmente irreversíveis para mais de dois terços do território.

Entretanto, foram anunciadas medidas, muitas simples contastações do que há muito fora diagnosticado, ficando-se por enunciações, sem passos concretos em nenhum calendário.

Já aqui se escrevera que a Unidade se movimentaria num mundo virtual, cor-de-rosa seco, destinado a desbotar sem retorno.

Mas, todos ouvimos falar daquele Tomé, céptico e pessimista, que ficou numa vergonha quando o Mestre lhe ordenou que lhe tocasse as feridas. Não ficou com grande fama e vai penando séculos fora a sua propensão para a dúvida.

Num contacto ocasional com a última edição do semanário “Notícias da Covilhã” ficámos a saber que Helena Freitas disse, em Castelo Branco, que “é um absurdo hoje falar em interioridade num país que tem duzentos quilómetros até ao litoral”, acrescentando que “o país está a mudar e só os velhos do restelo é que não o conseguem ver”.

Poucos meses após a criação da tal Unidade, pelos vistos estará tudo resolvido. Já não há razões para que do interior se clame por justiça, por equidade, pelo pleno exercício da cidadania. Como que por milagre, o país do desequilíbrio demográfico, do envelhecimento vertiginoso, do abandono à má sorte, foi substituído pelo paraíso terreal e só mesmo mentes diabólicas continuam a lançar a cizânia entre as gentes.

Depois de tal milagre, ficamos todos aliviados e a própria Helena Freitas terá terminado, à velocidade da luz, uma missão, afinal, tão simples, um ovo de colombo pós moderno, mais fantástico do que o original. Isto sim, foi eficácia. Chegou, viu e nem precisou de tocar em nada, qual fada de todas as maravilhas.

Só que não. A dura realidade não se compadece com a fantasia e a fada corre o risco do apupo. Porque todos os dias sentimos o agravamento das condições de manutenção desta nossa terra com gente dentro. Não houve, até agora, nenhum evento sobrenatural que transformasse a nossa condição.

Assim, absurdo é considerar que não há razões para se falar de interioridade e, principalmente, encontrar formas de lhe atenuar os efeitos e reabrir horizontes de justiça. Especialmente, quando tudo se conjuga para que, ao contrário do milagre virtual anunciado pela responsável da Unidade de Missão, as desigualdades se agravam, com mais investimentos concentrados no litoral. Apesar de haver gente de bom senso, que não cala a denúncia da insistência no erro, que será fatal para o interior, mas também para o país.

 

Por Teófilo Vaz