Na lógica, compreensão e extensão são racionalmente o inverso uma da outra, o que quer dizer, em linguagem corrente, que quanto mais uma categoria é definida de forma precisa, menos chances tem de se alargar a um grande número de casos. Inversamente, quando a sua definição é vaga e geral, esta pode compreender um grande número de finalidades.
Mario Vargas Llosa não é o primeiro a deplorar no seu ensaio de 2012, A civilização do Espetáculo, que a palavra cultura tenha perdido em compreensão à medida que ganhava em extensão. Se tudo é “cultura” – não somente as produções do pensamento, mas também os mitos e os ritos duma comunidade, os seus hábitos alimentares ou vestimenteiros - então a palavra “cultura” já não significa grande coisa. Remete para as crenças e comportamentos colectivos dum grupo particular. É o uso que impôs a antropologia, numa preocupação louvável para dar a conhecer uma legitimidade aos usos e costumes das sociedades ditas outrora primitivas, que os antropólogos e sociólogos estudavam.
Em sociologia, Alain Finkielkraut, em A Derrota do pensamento (1987) já tinha mostrado – tema recorrente nos seus programas de France Culture - de que forma esta diluição da cultura estava em parte ligada à comunitarização. A cultura no sentido antigo de “humanidades” ou de património intelectual e artístico, tinha uma vocação universal. Enquanto as “culturas” no sentido antropológico ligam entre eles os membros das comunidades particulares.
A cultura banalizou-se, escreve Vargas Llosa, vulgarizou-se tornando-se vazia e vã.
Em causa, a sociedade do espectáculo, que substitui a vida autêntica pelo representação e os criadores por bufos. Em causa igualmente, a sociedade de massas (civilização), que recusa toda a cultura herdada como um constrangimento, qualquer hierarquização dos valores e dos saberes, aspira à distracção, convida ao divertimento. As indústrias do divertimento mergulham e afundam-se nesta brecha. Alguns veem nisso uma forma de democratização, tratar-se-ia de fazer aceder o maior número de indivíduos ao maior número de obras, e não de substituir o livro pela imagem e a procura da verdade pela distracção. Mas a grande cultura, acusada de elitista e retrógrada, esconde-se e desaparece.
Tudo isto não é nem verdadeiramente falso, nem muito original. Estas ideias foram agitadas desde o séc. XIX pelas correntes alemãs. Mais perto de nós, o universitário americano Allan Bloom, declinou, com A Alma Desarmada, em 1987, um “ ensaio sobre o declínio da cultura geral” nos campus universitários, que ele atribuía ao crescimento da cultura pop. Muitos ensaios recentes denunciaram a diluição da cultura no “tudo é cultura”.
Mais original, parece ser o papel nefasto que atribui Mario Vargas Llosa à teoria da Desconstrução (J. Derrida) neste desmoronamento cultural. Levando qualquer tentativa de elucidação da realidade a discursos equivalentes e sem objecto.
Presa entre as indústrias do divertimento, por um lado, e os vários sofismas, por outro, a cultura autêntica estaria a passar um mau bocado. Contudo, enquanto os romances de Mario Vargas Llosa encontrarem leitores, a cultura não se portará muito mal…